quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A Cultura, a Classe sem Nome e o MinC de Marta

Carnaval -- Carybé
A questão da Cultura é essencial. Não à toa, ela tem sido alvo de intensos debates no Brasil, sobretudo no governo Lula, na  passagem de Gilberto Gil pelo Ministério da Cultura. Pela primeira vez se deflagrou uma política de democratização cultural, rompendo a barreira da visão da "cultura" como mero enfeite -- ou apenas um instrumento para alavancagem da indústria de entretenimento massificada. Um dos eixos dessa transformação foi a execução do programa Cultura Viva, idealizado por Célio Turino, que resultou nos Pontos de Cultura. O processo se seguiu durante a gestão de Juca Ferreira, mas atolou com a nomeação de Ana de Hollanda por Dilma. As políticas democratizantes deram um giro de 180 graus, passando para o lado da defesa do lobby da grande indústria do entretenimento para o horror de ativistas da área. Ana cai -- sob a pressão de movimentos da área, declarações mal dadas e o jogo das eleições municipais --, Marta Suplicy ascende e uma nova rodada de lutas se inicia.

Antes, uma breve recapitulação. Por que a Cultura importa? Foi no campo da Cultura, e não na corrida espacial ou armamentista, que os Estados Unidos tomaram a dianteira na Guerra Fria em relação à falecida União Soviética -- e a última encontrou seu desfecho triste, por sua crise interna. Em suma, o principal arsenal de Washington é, há muito, sua indústria de entretenimento e sua política cultural (espertamente invasiva): o que moldou o mundo à imagem americana é, justamente, o imaginário produzido por sua indústria que, docilmente, introjetou seus tipos de formas de vida; não é mais possível imaginar uma história de amor sem fazer referência a um filme de Hollywood, como bem observam Negri e Hardt em Commonwealth.

O centro de gravidade não está no medo, mas na esperança (e mais e mais na pretensão de segurança) de viver tal e qual -- boa parte do que foi operado em favor da hegemonia norte-americana, por sua vez, pouco teve a ver com invasões e golpes (embora não possamos exclui-los), mas sim com condutas espontâneas, no nível macro e micro, causados pela maneira como o american way of life foi naturalizado. Mas não é a forma de viver americana em um sentido nacional -- eles contra nós --, é a forma de viver americana como uma das hipóteses de modelo de vida adequável e útil para realizar o Capitalismo. A Rede Globo não repete essa estética pelo bem de Washington, mas, antes de mais nada, pelo Capitalismo.

Uma vez rompida a Guerra Fria, aquela estética extravasa as fronteiras nacionais americanas. Com a Globalização, o modelo americano torna-se global e precisa cada vez menos dos Estados Unidos em si. Um filme chinês que exalta a glória dos noventa anos do Partido Comunista local tem, também, estética hollywoodiana -- e não há nada estranho nisso. Há um Império global que nasceu do ovo americano, mas não se confunde mais com ele com tanta exatidão. Se a realidade funciona de um modo dialético é difícil dizer, mas o capitalismo certamente o faz. Ele se autossupera e se ultrapassa a todo instante.

Por outro lado, os países socialistas ao longo do século 20º, grosso modo, insistiram que a chave para a libertação estava na tomada do Estado para, assim, assumirem o controle do progresso da civilização, dando um sentido outro aos seus rumos -- processo do qual, automaticamente, resultaria uma cultura nova. Não resultou em coisa alguma como sabemos. É a cultura que dita as regras dá linha no processo civilizatório, é o discurso, a representação. Inclusive porque a civilização é só uma das múltiplas possibilidades da cultura. A civilização capitalista demanda uma cultura capitalista para que ela funcione no seu avanço sem fim.

No Brasil, existem dois vetores muito fortes no campo. Um é o da grande indústria do entretenimento, cujos tipos de formas de vida esboços remetem à manutenção do que está posto, outro, é uma animada e potente cultura popular. A hegemonia cultural dos grupos de mídia tradicionais no Brasil -- oligopólios familiares, a bem da verdade -- moldou os rumos da democracia brasileira. Nós nos informamos, nos imaginamos e nos sentimos de acordo com a produção de formas de vida ditada pelo grupos A ou B, com interesses bastante pontuados. É uma grande indústria, forjada na Ditadura Militar e que chega ao ápice com o Neoliberalismo -- a Ditadura não destruiu a música brasileira, mas o privatismo dos anos 90 sim. E isso tem implicações muito claras na funcionamento da nossa política.

Há, inclusive, uma confusão recorrente: como se a massificação galopante da Cultura brasileira nos últimos anos tivesse a ver com ascensão social atual. Como se a ascensão selvagem da classe sem nome fosse a ascensão do massificado, do pobre enquanto o ontologicamente deficitário. Nada mais falso. A massificação cultural corta toda a sociedade, ditando padrões, de maneira universal, para o jovem da periferia e para o advogado rico do bairro nobre. A massa não é o pobre que vê suas condições excederem os limites da Lei da Casa Grande, ela é o processo de homogeneização ao qual  todos são reduzidos, igualados apesar de suas diferenças, o que permite a manutenção de assimetrias brutais. Quem assiste ao pior talk show da televisão brasileira é a classe "a" também.

A massificação é um processo anterior e, acrescentaria até, antagônico a tal ascensão, uma vez que é um processo de sujeição que pretende, inclusive, dar um jeito nessa classe, pondo-a sob os limites de uma nova ordem. Trata-se de um vetor que busca capturar a potência dessa classe, sujeitando-a: quando uma telenovela "insere" e "descreve" a nova classe, ela é o faz submetendo-a a um regime que pretende determina-la, prescrevedo seu funcionamento. A classe sem nome passaria a ser isto, é uma "nova classe média", que se comporta, veste e ama de um modo determinado.

A massificação tem pouco a ver com exarcebação do consumo, mas sim com regulamentação do consumo: você irá consumir aquilo e aquilo outro, desta e daquela forma. Mas você não consumirá jamais os sujeitos e sujeições que o sistema usa para determinar a forma de produzir e de consumir os objetos. É uma vedação ao consumo. Por isso é preciso consumir mais e mais, devorar os objetos e também -- e sobretudo -- os sujeitos e sujeições. E [poder] consumir cada vez mais é enfrentar a máquina, não alimenta-la. O cenário atual é ainda de subconsumo.

Então é dentro de um cenário de incertezas não só internas ao MinC, mas também das mudanças ocorridas nos últimos anos, que Marta Suplicy assume a pasta. Não são poucos os problemas internos e os desafios. A vitória recém-conquistada da aprovação do Vale-Cultura -- algo que pode se tornar um equivalente cultural do bolsa família -- é importante: ele cria mecanismos que permitem aos trabalhadores (que ganham até cinco salários mínimos) acessarem bens culturais com um bônus de R$ 50,00 mensais dados, por seu turno, pela empresa onde estão empregados em troca de isenções fiscais para a mesma. 

Não à toa, a Folha já se levantou contra o projeto -- e Marta respondeu, hoje, com muita precisão.  Os argumentos do editorial da Folha não são diferentes daqueles vistos por certa parte da esquerda que vê, no incentivo ao consumo, o problema do governo Lula-Dilma. O temor dos setores conservadores é justamente não saber qual a extensão da liberação do consumo por parte desses setores (ou pela menos a parcela dele que está empregada) e isso Marta captou bem -- antes o problema fosse a aquisição de blockbusters e de livros de auto-ajuda, muitos dos quais promovidos e endossados pela mesma mídia que ora os critica: o que incomoda mesmo é a possibilidade disso permitir a massa ir além de sua condição e ter meios para, minimamente, se integrar ao mundo do qual é alijada. O sistema vive desse subconsumo.

Mas um ponto tão crucial quanto. É a própria regulamentação do Cultura Viva, que gira em torno da aprovação do projeto de lei 757/2011 de autoria da deputada federal carioca Jandira Feghali (PC do B). Idealizado por ativistas da área e pelo criador do Cultura Viva, Célio Turino, o projeto aprimoraria o mecanismo de prestação de contas por parte dos Pontos de Cultura e facilitaria repasses e gastos por parte dos Pontos de Cultura, dentre tantas outras coisas -- hoje, engessados pela mesma legislação que dispõe sobre grandes obras e grandes compras públicas, totalmente carentes de uma legislação específica. Assim, a produção cultural em nível molecular, por gente comum do povo, poderia ser expandida em toda a sua diversidade.

Na última segunda-feira (14/01), em audiência pública com militantes da cultura e ponteiros, Marta se deparou com o quadro do Cultura Viva. O ponto positivo, desde já, foi a realização de uma audiência pública depois de anos de interdição do diálogo. Mas ficam patentes as dificuldades e a situação do MinC depois do vendaval Ana de Hollanda.  O aprimoramento do Cultura Viva é, ou pode ser, o ponto diferencial na história. Seria a possibilidade de dar conta da "fome pelo acesso à cultura" ao qual Marta faz referência ao avaliar o quadro brasileiro. E daria conta por meio da produção de um bom alimento. E a fome, aliás, tem a ver, sempre, com a relação entre consumo e produção.

Marta quer e precisa fazer acontecer no MinC. E isso é legítimo. Mas ela só vai conseguir êxito caso se der conta da importância da dimensão da pasta que tem em mãos -- e monte uma equipe que dê conta disso (e pelo jeito falta isso). O Cultura Viva é o principal projeto do MinC e seria o tecido conjuntivo para mais e mais políticas do setor -- como o próprio Vale-Cultura e o CEU das artes, que ela idealizou --, sua efetivação definitiva é, portanto, pauta prioritária. Se empreender esforços para a sua regulamentação, terá obtido uma grande vitória. Sem diálogo e sem a participação da multidão -- que não é este ou aquele militante ou este ou aquele movimento -- não há como avançar e não haveria razão de ser para o Cultura Viva. A abertura ao diálogo, a disposição em entender o quadro e a vontade de fazer coisas são um caminho, mas há muito ainda a trilhar. Marta tem, no entanto, a faca e o queijo na mão.

9 comentários:

  1. A importância da cultura na formação da sociedade e de seus sujeitos foi muito bem desenvolvida.Os mecanismos de asujeitamento dos países socialistas do século 20 e as estratégias neoliberais não se diferenciam muito essencialmente. A União Soviética não estimulou o livre desenvolvimento cultural e desprezou as produções oriundas de subjetividades diversas.Os países capitalistas, com seu discurso democrático -liberal, nem precisam impor explicitamente paradigmas culturais, pois introjetam desejos na população.Quando buscamos música, cinema e literatura, procuramos, na realidade, alcamar anseios intelectuais, políticos, emocionais etc. Mas e se esses anseios não são verdadeiramente nossos?A Cultura se aprisiona e perde seu sentido. Como afirmava o grande poeta russo Mayakovsky, a arte é um martelo para forjar o mundo, mas não a arte imposta por determinado Estado ou por determinado sistema de produção, e sim aquela que brota no coletivo cotidiano, seja em uma roda de samba em uma praça , seja pelos universitários boêmios da Augusta,seja pela dona de casa que conta histórias para seus filhos pequenos.

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    1. Anônimo: a União Soviética não estimulou, de fato, uma liberação cultural. Pelo menos desde que a geração dos anos 20 foi varrida, inclusive Maiakovsky. Aí, tornou-se um puro e simples assumir as rédeas do progresso civilizatório para criar uma nova cultura. E nada. O Neoliberalismo é mais inteligente. Ele se usa da liberdade, à cerca. Usa dos nossos fantasmas e da nossa culpa contra nós mesmos. Libera nossa criatividade a um alto risco para si para poder se alimentar. Apostas altas. É esse comum, que você bem citou, a saída e a entrada, o livre e real fluir da nossa criatividade. É isso que podemos, por dentro e contra, o Estado constituir agora.

      ;-)

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  2. Muito lúcido o texto de Hugo Albuquerque. Analisa de maneira brilhante o significado da cultura para todo o contexto social e político de um país, para ressaltar o quanto é decisivo o êxito da nova gestão que se inicia no MinC. O Brasil avançou muito no Governo Lula e segue nesse caminho sob a presidência de Dilma Rousseff no processo de inclusão social. Para não deixar dúvidas aos céticos de plantão, são 53 milhões de incluídos e/ou elevados economicamente (estudo "O emergente dos emergentes" - BID/FGV). É uma Espanha inteira que passou a consumir no Brasil, por mais que isso incomode o egoísmo burro de muita gente. Nada há de errado nisso. Estamos com pleno emprego. Se fizermos algumas lições de casa, corrigindo problemas estruturais, é provável que voltemos a crescer acima de 4% ao ano. Pois bem, agora é preciso promover a inclusão cultural, não só dessa "Espanha" à qual demos o direito de ter, mas também aos seus detratores; aos pobres, medianos e ricos que se divertem com o grotesco BBB; aos que acreditam na "Veja" sem qualquer análise crítica; aos que aceitam os milagres dos falsos profetas nas telas da TV; aos analfabetos e aos analfabetos funcionais; aos que trocaram o samba pelo pagode deformado das tardes de domingo; aos que acreditam que dois cantores de chapéu fazendo dueto de mau gosto numa festa de peão de boiadeiro para uma multidão de bêbados é música sertaneja; aos que esqueceram ou jamais leram Machado de Assis; aos que não conhecem Lygia Fagundes Telles; aos que jamais ouviram um frevo de verdade, ou nunca se emocionaram ao ritmo da música amazônica, dos gaúchos ou de Adoniran Barbosa. Há todo um Brasil a ser ungido pelo direito à cultura. É imensa a responsabilidade de Marta. Se fizer o que precisa ser feito, não importa o motivo político que a conduziu ao Ministério da Cultura.

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    1. Exato, Marco. Diria, à maneira do meu amigo Giuseppe Cocco, que se já existe um remédio para a fome da alma -- o bolsa família -- é preciso de outro para a fome do corpo -- políticas culturais. Elas estão ali ali, em pé de igualdade com políticas de geração de renda social. Não queremos só comida, como bem disse Marta ao lembrar o versinho dos Titãs. Ambas as fomes, aliás, são só uma única. E se não cola mais a tese de que pobre usaria o Bolsa Família "só para comprar cachaça", creio que já nasce furado o argumento de que o Vale-Cultura servirá "só para comprar livros de auto-ajuda e blockbusters". Creio que há percepção e vontade de mudar as coisas por parta da atual ministra. Vontade de entender. Mas agora as coisas estão em um patamar que exige fazer acontecer. É com isso que ela terá de lidar num futuro próximo.

      abração

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  3. e obrigado por Carybé, o mais bahiano de todos os argentinos! (o segundo é Emílio Rodrigué).

    escrevo isso, curiosamente, do café do Teatro Vila Velha - antes Galeria Oxum Maré, onde as primeiras exposições da Revista Mapa (da qual ele fez parte) aconteceram. Quase no quinta do pré-grafiteiro Genaro de Carvalho...

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    1. Ou, quem sabe, o mais argentino de todos os baianos. Como você bem sabe, escolher a ilustração de cada post é a tarefa mais difícil de sua elaboração. Aqui, deu muito trabalho, mas este Carybé me pareceu, no fim das contas, uma boa escolha: um estranhamento encantado da luminosidade tropical sobre os corpos dançantes -- e do ecoar da polifonia que lhe é inerente. Cinética na ótica, para muito além da mera cromática.

      abraços

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  4. É muito bom que você tenha tratado deste assunto aqui, Hugo, ainda mais com essa precisão que lhe é peculiar. Há, realmente, de se valorizar a cultura, posto que a cultura de um povo é a sua identidade. Os pontos de cultura e o vale-cultura são passos nesse sentido, mas a meu ver, todo um paradigma deve ser revisto.
    Vejo que o povo brasileiro hoje é muito mais "consumidor" de cultura do que "produtor de cultura", e quase sempre as políticas públicas se alinham neste sentido. Quantos escritores de ficção nacional estão nas prateleiras das livrarias? Em sua maioria só há nomes estrangeiros. Há pouca gente escrevendo ficção de qualidade no Brasil? Eu duvido. Qual é o tamanho do cinema nacional independe no Brasil? Falo dos curtas geniais, dos longas que são filmados a muito sacrifício e vão para um ou outro cinema fora do mercado e não daqueles filmes feitos pela Globo. Há pouca gente fazendo cinema com qualidade no Brasil? Eu duvido. E músicos, pintores, artistas de rua, que exprimem em sua arte com genialidade o que é ser brasileiro? Quantos deles estão se apresentando em programas de auditório e variedades, gravando cd's, expondo em mostras e galerias? Há tão poucos destes no Brasil? Eu duvido.
    A meu ver é aí onde a cultura deve ser mais incentivada, na produção de cultura, em valorizar o que é nosso.
    Como escreveu o Marco, é necessária uma inclusão cultural, não só em oferecer a cultura as pessoas, nos brilhantes exemplos que ele apresenta, mas também em oferecer às pessoas a oportunidade de produzirem cultura.
    Abrass"

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    1. Nuno, eu diria que, hoje, o brasileiro é um subconsumidor de uma cultura que, às vezes, ele trabalha para construir, sem participar, sem agir para tanto, sem deslizar em sua processo produtivo -- o que implica em consumir. A bem da verdade, não consumimos a cultura de massa. É mais ou menos como nossa alimentação, mas talvez pior. Comemos a porcaria industrializada que produzimos, enquanto sociedade. Mas comemos mal. Hoje, diria que comemos mais mal do que pouco. Mas já comemos mal porque comíamos pouco, então, diria que hoje comemos melhor. Mas é preciso consumir mais e mais. Consumir não só os objetos -- que podem ser imateriais -- mas também os sujeitos e as sujeições, isto é, a condição prévia dessa produção e desse consumo. Eis aí o mistério. E para o mistério, antropofagia 2.0.

      abração

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    2. O comando da história da cultura está com as classes dominantes.
      À medida em que o tempo passa um sistema de funcionamento substitui o outro, dessa maneira é facil impor uma filosofia técnica criada nos laboratórios desse comando. A ação do Estado deve ser irversa a essa direção. Só ele pode destruir os pilares dessa situação. A difusão de técnicas de editais, leis de incentivos, só aumenta o que já está condicionado pelo status quo e, por mais que isso não consiga regular todos os lugares, a pobreza estrutural acaba por atingir as instituições culturais, ampliando com isso uma dívida social que está nas formas de relacionamento entre o Estado e o cidadão.
      A coqueluche de leis de incentivo e editais que assola o território da cultura só nos revela a incapacidade que a gestão pública tem em lidar com as questões nacionais, por isso terceiriza essa responsabilidade ao setor privado com suas bizarrices corporativas. Então cria-se ao modo dessa espécie de supremo tribunal cultural súmulas com jurisprudência própria... e, sem um mínimo de profundidade, sensibilidade política e conhecimento da realidade da sociedade brasileira. O prejuizo é enorme, não só porque estamos aprimorando ritos de procedimentos corporativos, como estamos dotando os artistas brasileiros de instrumentos "para melhor desempenho de sua função" atender à política pública ligada no automático. Isso acaba por não ter qualquer representatividade e revela o que aí está, sociedade de um lado, instituições culturais de outro. No meio um fosso abissal.Exite no Brasil um embate político claro entre esqueda e direita nas relações institucionais da cultura. A direita é representada pelo GIFE - Grupo Institutos, Fundações e Empresas - grandes corporações. A esquerda é representada pelo Cultura Viva - Pontos de Cultura. As duas não se misturam. Portanto, o Estado não pode fortalecer os Pontos de Cultura, sua liberdade e dignidade atendendo ao reino da vontade das ideologias protocolares dos mandatários do GIFE. Simples assim.
      O Brasil precisa de um debate nacional de cultura. Mas não debates de classe, de mecanismos de incentivo à produção cultural, leis, editais, sistemas, etc. A cultura tem que estar no centro do debate político. Longe das zonas de conflito, a cultura é uma atividade domesticada e consequentemente inútil, nula.
      Carlos Henrique Machado Freitas

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