quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sucessão Paulistana: o Impossível não Existe

As movimentações e as reviravoltas da campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, a principal disputa municipal deste ano - tanto menos pelo tamanho e importância da Pauliceia e tanto mais pela nacionalização da corrida - tornaram o post anterior desatualizado rapidamente. Para uma campanha quase paralisada até a semana passada, é algo digno de nota - e que me atropelou em uma semana incrivelmente corrida. Pois bem, vamos aos pontos.

O primeiro, e certamente mais bombástico, é a aliança entre PP e PT, em prol da candidatura Haddad, marcado pelo encontro entre Lula e Maluf na própria residência do último. Certamente, isso entra para a História como algo equivalente à união entre Prestes - o maior líder comunista brasileiro da primeira metade do século 20º - e Vargas - o reformador positivista do Estado Brasileiro em cuja ditadura a companheira de Prestes, Olga Benário, foi deportada grávida para uma campo de concentração nazista. E digo isso seja pelo caráter tão inusitado quanto ofensivo do evento ou pelo seu tamanho.

Se Lula é o grande ícone da esquerda do pós-ditadura, líder do governo mais bem aprovado da história brasileira, Maluf foi o último grande nome da direita brasileira, até ser atropelado pela maré de eventos dos anos 90, que não só o arrasou pessoalmente, quanto fez com os setores mais conservadores passassem a optar por estratégias mais indiretas - mas não menos funcionais - de tentar conquistar o poder. Trata-se, portanto, de um outro fato incrível, e negativamente, chocante e histórico - principalmente se considerarmos que a discrepância aqui é maior do que entre Prestes e Vargas, porque Lula é maior do que o primeiro e Maluf é muito menor do que o segundo.

Seja como for, o PT e Lula erraram. Não por qualquer questão moralista - e se você partilha de uma perspectiva moralista de política, pare de ler este post agora, por favor - , mas sim porque  o PP é um partido eleitoralmente inútil, o tempo de Televisão conquistado não vale o custo da vinculação da imagem a Maluf, e politicamente trata-se de uma aliança estúpida - não porque o PP represente programaticamente qualquer perigo, mas sim porque trata-se de um partido que não acrescenta absolutamente nada de positivo. 

Pior ainda, com isso o PT perdeu Luiza Erundina (PSB), sua vice recém-escolhida que desistiu de participar da chapa por conta da aliança com o PPA rigor, Haddad não perde nada nas periferias e talvez com isso atraía um eleitorado que hoje ratifique o nome de Celso Russomano (PRB) - o grande azarão dessas eleições, que entrou para negociar um carguinho de vice na chapa de Chalita, mas está há tempos na segunda colocação e crescendo de popularidade -, mas se a estratégia petista era disputar as camadas médias, foi cometido um engano aí. 

Ironicamente ou não, a aliança entre PP e PSDB só não saiu porque o governador paulista Geraldo Alckmin, que também tem Maluf na sua base de apoio local, não se empenhou em fechar o apoio daquele partido à candidatura Serra - que ficou furioso em tê-lo perdido (?). Mas esse sequer é maior problema de Serra, supondo que seja um problema, já que sua candidatura vive às voltas com duas belas crises: sua intenção de voto parece ter se estagnado e existe uma crise na sua base de apoio, que exige repetir a coligação que valerá para o Executivo na disputa da Câmara, o que tiraria cadeiras propriamente do PSDB graças ao sistema eleitoral que temos.

Gabriel Chalita, do PMDB,  não está em melhor situação. Ele segue estagnado nas pesquisas, muito longe de conseguir emplacar seu nome como a terceira via ao serrismo e ao petismo. Para uma candidatura que surgiu com tanto alarde, até agora pouco se fez. Nomes como Russomano ou Soninha, que sequer pensam em ganhar essa disputa, seguem à frente de Chalita, o que dá a tônica do problema.

É claro que é tudo questão de analisar as próximas pesquisas de opinião. A última do Datafolha, por exemplo, aponta para um crescimento expressivo da candidatura Haddad, o que o coloca na terceira colocação. Determina essa estagnação de Chalita e Serra - que segue sendo o primeiro colocado tanto em intenção de votos quanto em rejeição, o que é curioso. Em resumo, as três grandes candidaturas patinam feio, mas só Haddad teve algum motivo para comemorar os dados. Mas não se sabe o que virá.

Se antes fugíamos do paradigma da opinião  para analisar o processo eleitoral, certamente não cometeremos esse erro. É de doxa, isto é, da opinião, da glória ou da aclamação, que se trata um processo eleitoral, tanto quanto qualquer tirania. É esse jogo de imagens e de alegrias imaginárias em decorrência de certos consensos, e da própria ambição, que se trata o jogo político. A questão que está em pauta, para uma perspectiva libertária, é menos quem vence as eleições e mais como isso faz diferença nas nossas vidas e de como isso incidirá sobre o exercício do controle. Uma esquerda nômade precisa adotar uma estratégia transversal, como a direita já aprendeu a usar há tempos, para enfrentar os problemas da Metrópole.

P.S.: Vale sublinhar que se tanto se fala na conversão da política brasileira em Fla x Flu, tese que sempre refutamos, o mais correto seria falar na sua telenovelização. 


P.S.B.: E a metrópole assiste tudo, ansiosa, em crise.

8 comentários:

  1. Sua avaliação da aliança coincide inteiramente com a minha, Hugo. Mas só o que eu queria dizer é que percebi e achei GENIAL a homenagem que você fez com o P.S. e P.S.B. - aposto que por essa o Celso não esperava. :-)

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  2. Hugo, finda uma exaustiva semana na PUC pude voltar a ler este seu blog e atualizar os posts antigos que ainda não havia visto, deixando para comentar neste último. É, de fato, uma bela leitura da corrida eleitoral pela prefeitura de São Paulo. Concordo com você que Lula está dando muito em troca de pouco, usando a sua própria imagem - bem quista pela maioria da população - para lavar o legado de Maluf em troca de 1'35 de televisão. Mas é preciso lembrar que em razão dos baixos índices de Haddad nas pesquisas (que na minha opinião não devem ser levadas tão a sério tendo em vista o papelão dos institutos nas últimas eleições presidenciais), minguaram os apoios, Lula, o grande articulador da campanha, teve de ir buscá-los em algum lugar, restou-lhe Maluf. Não acredito que Serra tenha se aborrecido, Maluf lhe exigia cargos na prefeitura e no governo do Estado, decidiram ele e Alckimin passar a bola apostando que o recém-criado PSD tenha sorte no STF e compense a perda do PP.
    Por último, o caso Erundina lembra o imbróglio do vice de Serra em 2010, ainda não sei dizer o que moveu a ex-prefeita ou mesmo se ela agiu da melhor forma, ou ainda que efeito isso terá sobre a campanha de Haddad que demonstra, como já era de se esperar, uma trajetória ascendente diretamente proporcional ao percentual de quantos conhecem o candidato (os tais históricos 30% do PT em São Paulo que correspondem Pa rejeição de Serra).
    De fato, está certo dizer que essa campanha será nacionalizada, com efeitos que só o tempo saberá escolher.

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    1. Obrigado, Nunão. Aliás, estamos na mesma: foi a correria desta semana que resultou no atraso deste post. Sobre as pesquisas de opinião, elas realmente precisam ser vistas com cuidado, mas o fato é que a última delas, do Datafolha, registrava um bom crescimento de Haddad, na medida em que ele conseguiu inserir seu nome na mídia e as eleições se aproximam - portanto, não era necessário fazer essa manobra que, como concordamos, não acrescentou nada de bom à candidatura, fez perder uma vice que animava a militância (o que era o que estava faltando) e ainda produziu marketing negativo. Sobre o PSDB, ele está inserido na mesma lógica absurda de disputa, a qualquer custo, de tempo de televisão, tanto que Alckmin se empenhou para Maluf não apoiar Serra - e é Alckmin quem poderia fazer a diferença para atrair o PP, mas ele preferiu queimar a relação com um partido da sua base para garantir que Serra não teria esse "apoio". Erundina era importante pela figura simbólica e como animava a militância a tentar virar esse jogo. Era, há tempos, o melhor nome para compôr a chapa como vice. Não sei avaliar a decisão dela, mas permanecer inerte a esse movimento, não era mesmo possível. E historicamente, o PT tem 30% de intenção de voto em São Paulo, mas não sei se essa intenção de voto corresponde necessariamente à rejeição de Serra, que é inclusive um pouco maior do que isso.

      abraços

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  3. num pont o Tsavkko tem razão lá no outro post (pra você ver que mesmo quem não é não-idiota pode dizer algo que preste, às vezes): dizer que algo é "complexo" pode ser mera mistificação. Ao fim e ao cabo, por mais complexas que sejam as contingências, tudo não passa de uma escolha de um sujeito e nesse sentido plenamente livre e responsável sobre si.

    E o sujeito PT, emparedado pelo (bobo, é verdade, mas isso importa pouco aqui) "ou ele ou eu" de Erundina, preferiu um gigolô canastrão.

    E pergunto: Erundina vai pra onde? Será candidata ela mesma pelo PSB, como Lídice da Mata em Salvador?

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    1. Lucas, eu não diria que existe um sujeito plenamente livre, capaz de decidir sobre si, ao contrário, o dito "sujeito", via de regra, faz escolhas com o intuito de libertar-se, embora, não raro, faça o contrário - talvez porque antes de mais nada ele deseje uma certa aquiescência, uma "satisfação" que pode se dar, inclusive, por vias perversas. O ato de escolha tem como premissa uma situação de servidão que lhe é prévia - e consiste em afirma-la, refuta-la ou lhe reconfigurar - e se afigura como o próprio ser da questão.

      Erundina fica no PSB - que segue na campanha - e possivelmente apoiará Haddad com certa discrição, o que nada mais é do que o quadro de uma semana atrás - e jamais passou pela cabeça do PSB lançar candidatura própria em São Paulo, o que discutia-se era a direção do apoio: a direção estadual e municipal desejava Serra, a direção nacional e o grupo de Erundina, minoritário, diga-se, deseja Haddad.

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  4. Acho complicado comparar a aliança PT/PP com a de Getúlio e Prestes por algumas razões:

    - O Getúlio que subiu no palanque com Prestes já não era o mesmo Getúlio da Revolução de 30 nem do Estado Novo. Já o Maluf continua o mesmo Maluf.

    - Por pior que seja o PSDB, ele não é nenhuma UDN, apoiada por Lacerda, cuja figura deveria aparecer num dicionário pictográfico para o verbete 'golpista'.

    - Trata-se de uma (sur)realpolitik municipal, cuja importância é muito menor do que a de uma nacional.

    - Claro, Maluf é muito menor do que Getúlio, mas Prestes não é menor nem maior do que Lula. A dor de Prestes ao apoiar Getúlio deve ter sido muito maior do que o desgaste político de Lula ao apoiar Maluf.

    Enfim, como diria a sabedoria chinesa, "é muito cedo pra julgar".

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    1. Luis, foram duas alianças polêmicas - e completamente inusitadas - entre dois nomes emblemáticos e antagônicos da política brasileira. Guardadas as suas devidas proporções, estamos falando de algo análogo sim. É complicado falar em tantos Getúlios e em um só Maluf - eu poderia citar três, o da ditadura, o da pós-ditadura e o já alijado de pretensões maiores -; o fato é que Getúlio jamais deixou de ser o estandarte do modernismo positivista no Brasil, para além das máscaras que utilizou ao longo do tempo. E Maluf é, e sempre foi, a face populista e derradeira do bandeirantismo. Não vejo tanta diferença prática entre PSDB e UDN, não sei se porque ache o primeiro pior do que você considera, ou porque não vejo a segunda como uma coisa um tanto melhor do que você supõe - agora, o contexto dessas eleição é, diria, municipalmente nacional; tanto que o PP atual, adesista e governista, só teve alguma dúvida sobre para qual lado iria tender porque ele compôs, ao mesmo tempo, tanto com o PT em nível federal quanto com o PSDB em nível estadual.

      abraços

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