domingo, 15 de abril de 2012

A Crise na Indústria

A cena clássica de Tempos Modernos
Um tema recorrente, levantado como objeção frequente ao projeto petista, é a dita crise na indústria brasileira, o fantasma da "desindustrialização" levantado de Serra a Plínio na última campanha eleitoral e, agora, reverberada em recente artigo de Marina Silva para a Folha. Há muitas lendas sobre a questão e pouca profundidade nessas análises, até pelas necessidades imediatistas da política partidária e da mídia - o que, a bem da verdade, não diferem mais tanto assim.

Em um primeiro momento,  a questão industrial brasileira não é um problema exclusivamente macroeconômico e atual, mas parte relevante da nossa problemática histórica. Vejamos, o Brasil se industrializa tarde demais, depois dos esforços homéricos de Mauá contra toda uma legião de obscurantistas, uma República Velha inteira privilegiando os interesses de cafeicultores em detrimento de todos os demais setores e, só nos anos 30, há algum oxigênio.

A radicalização do processo de industrialização em Vargas é a combinação de várias coisas: a doutrina de gestão estatal direta e total somada, ao sabor da época, à construção de um mercado interno para substituir um mundo que ruía por conta da crise de 29. É também o início do casamento entre o capitão-da-indústria do Sul Maravilha com o Coronel do Norte, o segundo enviando mão-de-obra barata para se aliviar da pressão por reforma agrária, o segundo abrindo os braços.

O desenvolvimento no pós-guerra encontra algumas chaves, a primeira é a entrada forçada do capital internacional depois da morte de Vargas - em um processo conexo -, o modelo carrocêntrico de JK - que é fator determinante para o escoamento da produção e, ao mesmo tempo, para determinar a própria dinâmica de produção - e, como fecho, a organização corporativista encabeçada pela Ditadura em articulação com a FIESP, a modernização do sistema financeiro com a instituição do BACEN entre outras coisas.

O tripé capital estatal/capital nacional/capital estrangeiro, a política de Estado nacional-desenvolvimentista e tudo mais fale em um determinado momento: para além dos boicotes estrangeiros para o desenvolvimento de uma indústria de ponta no Brasil, o fato é que aquilo que sai de todo esse processo é um indústria ineficiente, dependente da tutela estatal - e do constante financiamento - pouco competitiva.

O dilema dos anos 90 para cá é o que fazer com a indústria. Collor e FHC preferiram abrir a economia, dar um choque de mercado fazendo-as competir com a indústria internacional - muito mais eficiente e, ainda, gozando de condições macroeconômicas mais vantajosas - para produzir uma seleção natural. O impacto geral foi a modernização do grande capital industrial, em geral o multi ou transnacional, o colapso da pequena indústria, uma maré de desemprego que pôs em xeque o mercado interno já atrofiado. Controle de preços a um custo alto.

A eleição de Lula em 2002 é retrato da insatisfação desses setores - representados, aliás, pelo então vice-presidente José Alencar. E é o nascimento do social-desenvolvimentismo lulista que ganha sua face mais hardcore, agora, com Dilma: a volta do Estado ao planejamento, ainda que longe de uma participação direta. Se o primeiro momento é de uma alavancagem, o segundo, com a manutenção do Real propositalmente valorizado, é da perda da importância relativa da indústria.


O fato é que existe de um lado uma demanda não só por mais e melhores produtos como, também, por preços equilibrados no mercado interno - o que nem sempre a indústria nacional deu conta, diga-se. Por outro lado, é necessário manter empregos e renda, não é possível desmobilizar a indústria nacional ou a expor como feito nos anos 90, de Collor a FHC.


O governo petista conseguiu um equilíbrio grande nisso, ainda que surjam n problemas. Foi beneficiado, inclusive, pelo boom do setor de serviços - o que é uma tendência real e presente da economia capitalista - e da agricultura - em termos não muito satisfatórios em termos da organização do trabalho nas zonas agrícolas, mas que representou equilíbrio dos preços de produtos alimentícios e, ainda, gerou saldo positivo na balança comercial.


A indústria, nesse sentido, perdeu espaço relativo de forma indolor porque os preços estão estáveis e o desemprego está baixo. O maior problema dela é, hoje, sua ineficiência em gasto de energia e toda problemática que envolve o modelo de transporte da produção - que  importa em produção de transporte também. 


Não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, diga-se de passagem, essa tendência - com a indústria chinesa recepcionando fábricas de todas as bandeiras e marcas - é global. A corda da superprodução - cuja origem é a criação de demandas socialmente inúteis - em escala global, é claro, passa pelo esgotamento ambiental e social, principalmente por parte da indústria.


Uma problemática posta nos termos de "recuperemos a indústria nacional" é balela. É preciso reinventar a indústria no Brasil, não aumentar a importância relativa de sua (super)produção em relação à (super)produção geral da nação. Se os planos de recuperação da indústria do governo atual parecem farsescos - e em certa medida demagógicos - sua macroeconomia tem sido sábia, embora falte muito para se conseguir praticar a reinvenção industrial que precisamos. No entanto, uma oposição que discursa - pela falta de discurso - sobre "desindustrialização" está, na verdade, sem discurso.  


P.S.: este post marca a saída do blog do breve sabático dos últimos dias, causado tanto por falta de tempo quanto por falta de inspiração.




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