terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cartas Persas

Ao contrário do que se supõe habitualmente, não existe um anti-americanismo tão profundo no Irã. O título de grande inimigo é, e será ainda por muito tempo, do Reino Unido. Isso remonta há muitas décadas atrás, quando o governo democrático de Mohammed Mossadegh nacionalizou a Anglo-Iranian Oil, tornando a relação com os britânicos impossível. Os súditos da rainha guardaram aquele ato de insubmissão na geladeira e, rapidamente, se movimentaram como poucos para derrubar Mossadegh, no processo que resultou na ditadura do Xá Reza Pahlavi, cujas implicações - sobretudo a destruição da vida política e econômica do país, o que jogou todo uma geração para dentro das mesquitas - desembocou na Revolução Islâmica do final de 1979.

A presente invasão dos estudantes iranianos à embaixada britânica em Teerã, portanto, não é fato isolado ou simplesmente uma consequência dos fatos recentes, nos quais os iranianos foram acossados pelas Nações Unidas por conta de seu programa nuclear - em relação ao qual, pouco interessa para as potências ocidentais qualquer acordo com o Irã, mas sim, simplesmente, sua condenação, sua elevação a bode expiatório. E os tambores de guerra que rufam contra o Irã não são pouco barulhentos. Se o regime atual do país nada tem a ver com o fluxo libertário que perpassa o Magreb - muito pelo contrário -, por outro lado, a comunidade internacional, mais do que nunca precisa de um álibi, um demônio do momento.

Nem é preciso dizer o quanto o Irã é curioso, autoritário internamente, mas, ao mesmo tempo, pacífico no plano externo há tempos. Ou o que dizer, mesmo dentro da ordem islâmica, dos esforços do governo Katami de aproximar-se do Ocidente para ser, em troca, humilhado? Certamente, não há o que defender do regime iraniano, mas para variar, um possível ataque contra o país nada terá a ver com seus defeitos. Isso seria a escalada para um desastre, sobretudo por conta do (natural) interesse russo em manter o Cáucaso o mais seguro possível - o que o regime islamo-nacionalista de Teerã o faz por manter o Ocidente longe sem, com isso, ter condições de produzir qualquer perigo substancial para a Rússia (ainda que se possa argumentar do perigo dos pequenos grupos islamistas do Cáucaso, naturalmente, um governo pró-Washington em Teerã seria outro nível de ameaça para Moscou). 

A necessidade de construir inimigos externos, é claro, não está fora do interesse do regime iraniano. A paranoia geral se instala. Não há superstição melhor do que o nacionalismo, ainda mais o nacionalismo de guerra, para fazê-lo lutar contra si como se por si fosse. Os riscos da eclosão de um conflito armado no Oriente Médio são perfeitamente reais.

2 comentários:

  1. Hugo, quando vc diz "certamente não há o que defender no regime iraniano" de certa maneira está dando aval a demonização que vc próprio condena. Quais são as fontes que vc utiliza para balizar sua contundente opinião? A MSM ocidental? Tá brincando não? Não quero dizer com isso que tudo são flores naquele regime, mas daí a subscrever à uma condenação ampla, geral e irrestrita, condenação essa turbinada pelas hiper-poderosas máquinas de propaganda do Ocidente e Israel, e por sinal, espertamente instrumentalizada pela candidatura Serra em 2010, é um salto grande demais. Acho que para qualquer avaliação mais acurada do que ocorre lá no Irã, é imperioso considerar que diversidade ideológica das fontes é condição fundamental, para uma tomada de posição o mais honesta possível.

    Alguns sites dos quais me socorro:

    Juan Cole - se opôs ao regime quando das eleições, e quase embarca naquele papo furado da suposta fraude eleitoral, mas nesse quesito, pulou fora a tempo. Há estudos sérios comprovando que a decantada fraude não ocorreu em absoluto. De qualquer forma, Cole é um cara que me parece honesto e que pode perfeitamente ter se posicionado em relação ao assunto de uma forma contrária à minha, o que nem por isso é o caso de se dizer que sua credibilidade tenha sofrido sérios danos.

    O casal Everett - antigos conselheiros do Depto. de Estado à época do governo Bush, mantém um blog muito bom, dedicado à análise crítica das relações entre o seu governo e o Irã. Me parecem uns sujeitos bem decentes, o que não é muito fácil de se encontrar, em se tratando de governo americano, no qual falcões das mais variadas plumagens costumam ditar a agenda no que se refere à relações com o Irã. http://www.raceforiran.com/

    O canal internacional de notícias do governo iraniano (Press TV), o canal russo (Russia Today), os sites de jornais britânicos à esquerda e a direita, a msm americana, Haaretz o jornal liberal de esquerda israelense, Jerusalem Post o de direita. Alguns blogs brasileiros como o do Azenha ou PHA que de vez em quando publicam alguma coisa. Glenn Greenwald, blogueiro da Salon, crítico acérrimo da política externa de Obama. Blog do Alon está fora
    dessa lista, pois considero o jornalista insuportávelmente parcial nesses assuntos.

    Acho petulante e hipócrita a indignação seletiva de certos setores ditos à esquerda aqui no Brasil, com relação a eventuais abusos de direitos humanos no Irã, Que moral tem essa gente pra ficar cagando regras ao mesmo tempo em que em nosso próprio país os referidos direitos são diáriamente abusados. Pegue um desses programas policiais da TV tipo Datena, em que pobres diabos, vivendo em abjetas condições, submetidos às leis implacáveis da sobrevivência em um país profundamente desigual, ao serem detidos por algum pequeno crime, são submetidas à "entrevistas" humilhantes. Quem deu, ao Datena ou a qualquer outro apresentador, o direito de entrevistar um cidadão sob a custódia da justiça? Precisamos arrumar um pouco melhor a nossa casa, antes de sair por aí cobrando dos outros.

    Quero deixar claro que o questionamento que faço no parágrafo anterior não significa vetar qualquer análise crítica que porventura possa ser feita às mazelas do regime iraniano. Contudo quero crer que um pouco menos de seletividade na indignação e um pouco mais de humildade, não seria de todo mal.

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  2. Sem dúvida, Marola, a seletividade é um problema - sobretudo quando usada de forma oportuna -, mas também não podemos ignorar o caráter autoritário do sistema iraniano: creio que não cabem palavras amenas para o regime dos aiatolás, o importante, creio eu, é fazer o resgate histórico de como se chegou naquela situação.

    abraços

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