terça-feira, 7 de junho de 2011

O Peru de Humala

Humala vitorioso
Em uma das eleições presidenciais mais disputadas dos últimos anos, o Peru assistiu à  vitória do centro-esquerdista Ollanta Humala à presidência da República contra a direitista Keiko Fujimori pelo placar (apertadíssimo) de 51,5% a 48,4%. Humala, que venceu o primeiro turno, representa a mudança em um país profundamente conservador e cheio de traumas: seja pela derrota para o Chile na Guerra do Pacífico - o que se não lhe tirou a saída ao mar, como aconteceu com a Bolívia, mas feriu a honra nacional de maneira igualmente dolorosa, sobretudo no que toca o saque à Lima -, a violência estrutural de um confronto bastante duro entre as oligarquias e a plebe, a permanente questão do índio - o dilema existencial peruano, um país que tem dificuldades em encarar de frente sua ancestralidade nativa -,  um racha fratricida no campo da esquerda e episódios duríssimos de violência - que não destoam em espécie do que aconteceu pelo continente, mas certamente foram dos mais intensos; a ditadura de Alberto Fujimori nasceu da degeneração da democracia local, uma vez que ele foi eleito no começo dos anos 9o, e combinou características da velha direita latino-americana (oligárquica, inclemente) com as da nova direita (a mercantilização esvaziadora da cidadania), não apenas matando como deixando morrer. Antes, a esquerda peruana caiu na armadilha de preterir a organização dos sindicatos e movimentos sociais para se dedicar massivamente à luta armada, o que, não por acaso, pode ser apontado como uma das grandes causas da sua fragilidade - a exemplo da esquerda colombiana -, sobretudo se lembrarmos do horror protogonizado pelo Sendero Luminoso,  a mais insana organização armada do continente, comparável talvez somente ao Khmer Vermelho no Camboja. 

Depois de Fujimori e de um breve governo transitório, os dois últimos governos peruanos foram o de Alejandro Toledo - que seguiu uma agenda moderada e institucionalista - e o do ressuscitado Alán Garcia - que se tornou o único meio para evitar uma vitória de Humala há cinco anos e fez um governo marcado por um brutal crescimento econômico, desrespeito aos direitos humanos e pouco empenho no combate às desigualdades sociais. O desafio de Humala é manter o crescimento econômico no atual ritmo e começar a edificar uma estrutura de bem-estar social - tarefa para à qual ele contará com forte apoio no continente, mas terá de administrar bem eventuais atritos na política interna, quem sabe se aproximando das forças leais a Toledo no parlamento e mantendo uma interlocução efetiva com os movimentos sociais. Aliás, no que toca ao último aspecto, é questão de ver como ele, um militar reformado e nacionalista, vai estruturar essa relação, afinal de contas, o nacionalismo peruano sempre foi dotado de inquestionáveis ambiguidades; o autonomismo anti-imperialista sempre andou muito mais ao lado da crença em um Estado forte do que de uma construção orgânica junta à sociedade civil. Já do ponto de vista do grande jogo da geopolítica, isso certamente foi uma grande derrota para os EUA - que tentavam articular um bloco com Peru ao lado de Colômbia, Chile e México para fazer contraponto à influência do Brasil e seus aliados pró-autonomismo latino-americano no continente. Se hoje mesmo os governos de Chile e Colômbia precisam reconhecer a legitimidade dos governos de esquerda da região na interlocução estratégica, agora o espaço deles tende a se reduzir mais ainda, sobretudo se levarmos em consideração que o governo Calderón no México, o último grande estandarte do conservadorismo latino-americano, agoniza. O Mercosul sai fortalecido e isso, meus caros, é fundamental.


P.S.: Vale muito a pena ler este artigo do Idelber, em seu novo blog na Fórum, sobre José Carlos Mariátegui, um intelectual que nos conta muito sobre a história peruana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário