sexta-feira, 24 de junho de 2011

Crise na Europa: O Novo Governo Português

Passos Coelho e Paulo Portas
O XIX Governo Constitucional português tomou posse há menos de uma semana. A coalizão liderada pelo novo primeiro-ministro social-democrata Pedro Passos Coelho assume o país, sucedendo seis anos de governo socialista que, sob a liderança de José Sócrates, chefiou o XVII e (o curto) XVIII Governo Constitucional. A vitória de Sócrates, ano passado, se deu muito mais pelo temor do eleitorado frente ao radicalismo ultra-liberal de Manuela Ferreira Leite do que por sua força eleitoral; este ano, com a constância do fracasso das tentativas de Sócrates de salvar o país da crise e sua demissão e, ainda, a reunião dos (até então rachados) social-democratas em torno do nome jovem de Passos Coelho, o pleito resolveu-se facilmente para o PSD, que teve 38,6% dos votos (e mais os 11,7% do CDS-PP) contra 28,06% do PS (e, ainda, 7,91% da coalização comunista-verde e 5,1% do Bloco de Esquerda).

Basicamente, a história recente de Portugal não é outra coisa senão a própria expressão da ordem decorrente da Revolução dos Cravos em 1974, quando o tardio regime fascista foi enfim derrubado. Nenhum partido se assume como "direitista" - nem mesmo o CDS-PP - e o grande representante da centro-direita local é, tal como no Brasil, um partido nomeadamente "social-democrata" - que nasce nos corredores universitários sob a inspiração do sucesso da social-democracia nórdica nos anos 70, enquanto o Partido Socialista é uma criação de marxistas independentes da linha de Moscou e trabalhistas no exílio, restando o outro naco para o Partido Comunista, ortodoxo e alinhado à União Soviética. Não à toa, quem é imediatamente reconhecido como representante da esquerda europeia ocidental é o PS e não o PSD, que vagou perdido pelo espectro político local para, depois de colaborar com a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Europeia (CEE, embrião da União Europeia), dar uma guinada para o social-liberalismo sob a liderança de Aníbal Cavaco Silva, se estabelecendo como o representante da centro-direita no país.

A existência não-social-democratizada dos social-democratas lusos tem muito a ver com os rumos que os socialistas, uma vez tendo assumido a hegemonia política após a Revolução dos Cravos, deram à própria Revolução; o fervor revolucionário e todo o caldeirão de ideias do Portugal do início dos anos 70 foi, rapidamente, liquefeito em prol de uma entrada segura e conservadora do país no "sistema europeu" - na prática, a abertura do país para a entrada do Capitalismo europeu. Nesse sentido, torna-se Portugal mais uma democracia parlamentarista (aqui, republicana, mas isso é uma alegoria como a monarquia o é em outras partes do velho mundo), na qual os partidos hegemônicos tendem a ser apenas a variação do mesmo padrão alinhado, por sua vez, ao processo de universalização do capital europeu. O PS de força revolucionária assume o que ele realmente foi desde seu nascedouro, numa medieval cidade alemã sob a proteção da social-democracia local, um partido reformista de centro-esquerda enquanto os social-democratas se puseram como antagonistas.

Os socialistas portugueses, diferentemente dos seus congêneres gregos e espanhóis, não conseguiram fazer governos de concertação minimamente eficientes, com o líder socialista Mário Soares amargando relevantes fracassos nos anos 70. É aí que começa a longa história da crise que o país vive hoje; depois de um duradouro governo social-democrata com Cavaco Silva, os socialistas voltaram ao poder apenas com António Guterres nos anos 90, perdem o poder para o mal sucedido (e curto) governo de Durão Barroso (PSD) e retornam com José Sócrates, que conduziu o PS para a chamada terceira via, ocupando uma larga faixa que ia da centro-esquerda à centro-direita, empurrando seus rivais para a extrema-direita - o que o permitiu governar por mais tempo que o ícone de sua legenda, Mário Soares. 

Seu grande mote, o europeísmo, rigorosamente, não tem nada de original ou própria dos socialistas, é uma bandeira compartilhada por todos, fosse um social-democrata e faria, rigorosamente, o mesmo. Sob sua liderança, aliás, as matizes que ainda diferenciavam socialistas e social-democratas se apagaram. Manuela Ferreira Leite tentou estabelecer, sem sucesso, um diferencial para os social-democratas à direita, o que lhe custou a derrota. O atual primeiro-ministro luso, Passos Coelho, ascende depois de vencer a disputa interna do PSD este ano, ao defender que o partido volte ao centro político. Eleitoralmente, isso não só faz sentido como também funciona, mas a política, como sabemos, vai muito além de meras eleições. Suas ideias, entretanto, nada tem de novo ou melhor como seu próprio livro "Mudar" - a bem da verdade, uma peça publicitária-eleitoral - ilustra: o pouco que há de original ali não é bom e o resto já está superado.

Hoje, o problema português em nada difere do caso grego: existe um déficit em conta corrente gigantesco porque uma economia como a lusitana, ao compartilhar a mesma moeda que economias muito mais competitivas, estará fadada a apresentar grandes déficits comerciais; não só, os mecanismo da União Europeia apenas serviram para construir uma falsa equiparação econômica entre as partes, com o crédito sendo estimulado para portugueses (assim como para gregos e espanhois) que estariam fadados a importar produtos de Alemanha e França. Abalado os mecanismos da dívida infinita ou melhor, o sistema financeiro internacional, com a atual crise, supervalorizado o Euro por conta da desvalorização do dólar, a hemorragia aumenta em Portugal e o resultado é que o Estado precisa gastar recursos salvando bancos e, ao mesmo tempo, a balança comercial começa a ficar mais desfavorável ainda; por outro lado, as potências europeias saem de perto para não se contaminarem e Portugal arca, mais rápido do que pode gritar por socorro, com um ônus imenso.

O que teria Passos Coelho a dizer sobre isso? A velha cantilena da centro-direita europeia, enevoando fissuras estruturais evidentes com uma cortina de fumaça primária, que passa por chavões que culpam o bem-estar social pela crise; de repente, são as pessoas comuns, que não assumem o "custo" dos serviços de saúde e de educação que oneram a máquina pública - nesse mundo mágico, não há mais déficits comerciais crônicos por conta do Euro nem custos sociais gravíssimos resultantes da financeirização econômica (fruto de algo mais grave, que atende por problema da realização do valor), apenas uma população fraca e covarde, que não arca com seus gastos e assim destrói o erário público. Em nome de "uma responsabilidade pessoal", o sistema de proteção social deve ser desmontado, enquanto o Estado resta gigantesco, mas posto em função de um sistema econômico disfuncional por sua própria natureza - incapaz até de reconhecer que tais investimentos em educação e saúde sempre serviram para a capacitação (engorda) dos trabalhadores cuja produção explora (devora).

Nessa farsa, se encontra a centro-esquerda local, tão parecidos com seus rivais que os próprios atores começam a confundir a personagem que deveriam representar. De repente, o eleitorado da Islândia e da Grécia tiram seus governos e de centro-direita para elegerem governos de centro-esquerda que farão algo parecido, enquanto portugueses e húngaros ( talvez espanhóis logo mais) fazem o contrário; é a "covardia" (que não é  outra coisa senão o próprio ethos) da social-democrata servindo como ponte para o fascismo - como não só testemunhou Walter Benjamin, mas anteviu como constante. O que há, agora, é o Estado feito grande pelos progressistas d'antanho que, tão logo pôde, terminou por fagocitar as tendências libertárias em seu interior para se livrar dos grilhões de um estado de bem-estar social, aparentemente desnecessário com a ausência de um certo espectro que já rondou a Europa. A luta, agora, passa pelas ruas.


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