domingo, 19 de junho de 2011

A Crise Grega como Ponta do Iceberg para a Crise Europeia

Resistência na Acrópole
O mundo foi atingido por uma verdadeira onda de choque entre meados de 2008 e início de 2009. Passado o susto inicial, começou a ficar claro quais eram os reais problemas da economia mundial: longe de ser ela mesma a crise, o abalo do mercado imobiliário americano foi apenas um gatilho financeiro que expôs os pés de barro da economia globalizada. A União Europeia, o grande projeto do capital europeu desde o pós-guerra - e um dos maiores pilares dessa nova ordem -, foi aquele que teve mais fissuras expostas e agravadas. Um dos casos mais taxativos da atual crise foi o dos periféricos da Europa Ocidental, sobretudo, o caso grego: em um primeiro momento, a relutância do Consenso em admitir o que realmente aconteceu, colocando tudo na conta da corrupção local e do caso cavalar de sonegação fiscal que se viu ali; no máximo, falava-se que "o país acumulou dívidas demais" - como se pudesse não tê-las contraído -, mas sempre passávamos batido por eventuais causas daqueles problemas, é como se as coisas, de repente, tivessem brotado do nada. Trata-se, como bem sabem os leitores deste blog, de uma tragédia anunciada.

Pois bem, o arguto leitor deste blog deve estar se perguntando qual a importância de um país tão pequeno para toda a estrutura da Europa e do Mundo e de que modo - e por qual motivo - ele  contraiu tantas dívidas. O primeiro ponto diz respeito como a União Europeia já era um projeto concebido desde o fim da Segunda Guerra: o que restou do Capitalismo na Europa precisava não apenas de políticas de emergência internas para frear a expansão do socialismo soviético - o que deu na social-democracia do pós-guerra - como também de integração e cooperação direta, entre os Estados, no plano externo. Um primeiro passo foi a integração dos grandes mercados - França, Alemanha Ocidental, Itália, BeNeLux, Reino Unido -, depois a absorção dos periféricos - Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda -; por menores que fossem a economia dos pequenos, era da ausência de um processo de rejeição deles que dependia - como depende - a expansão do bloco. Eis aí que chagamos ao segundo ponto: se tudo corre bem com a integração de mercados e a política de acesso ao crédito e programas de equiparação regionais, dos anos 70 aos 90, com a adoção do Euro surge um problema, as contas dos países começam a não fechar, pois eles não estão nem de longe de condições de igualdade com a Alemanha ou a França.

Aparentemente, isso não era um problema: os gigantescos déficits comerciais de Portugal, Grécia ou Espanha - e os déficits públicos para bancarem essa equiparação - eram cobertos por vultuosos empréstimos que resolviam o problema de caixa, engordavam a receita de bancos alemães e franceses e, de quebra, movimentava a indústria dos grandes países - naturalmente mais competitiva que a dos seus vizinhos periféricos.  Um país como a Grécia enriquecia de um modo estranho, sem desenvolver devidamente sua cadeia produtiva, mas recebendo funções adjacentes da administração do Capitalismo Europeu; pátrias de consumidores de produtos dos seus vizinhos, abastecidos pela (aparentemente) infinita máquina de crédito europeia. Como em matéria de economia não há intervenção que não tenha, ao mesmo tempo, ônus e bônus e nada que não tenha limite, a corda do endividamento dos pequenos esticou demais e, com o choque da crise financeira americana, acabou por estourar: a estrutura financeira de Alemanha e França entenderam por bem não correr riscos, cortaram linhas de crédito e os periféricos foram deixados a própria sorte, precisando de empréstimos do FMI e expostos a "´planos de austeridade".

No que toca ao caso grego: é fato que a alta sonegação fiscal e o fato que as contas públicas, de fato, estavam numa situação pior do que a alegada, agravaram a situação, mas ela não é causa da problemática grega. Do contrário, seria um fenômeno meramente grego. Infelizmente, não é o caso. O endividamento atual, está para além de 150% do PIB decadente e, simplesmente, não há condições de paga-lo. De acordo com os dados do Eurostat, a situação do país não é nada animadora e o problema não é apenas o déficit de 10,5% do PIB nas contas públicas: A Grécia também está arcando com um déficit comercial de quase 9% do PIB. O déficit em conta corrente, que é o que realmente interessa, portanto, é gigantesco. O ponto é que justamente por não ter mais um moeda própria - e, pior, fazer parte de uma homogeneidade monetária com países muito mais competitivos -, que o Estado grego precisa arcar com um pesado custo dessa integração. O Euro gera um custo altíssimo para a Grécia, que precisaria trabalhar com superávits nas contas públicas na casa de 8% ou 9% para manter o equilíbrio sistêmico. Concretamente, isso é impossível, ainda mais graças às fraudes fiscais e aos resgates do Estado junto ao seu mercado financeiro interno devido a crise, o que fez com que o erário público local foi mais pressionado mais ainda, extrapolando seus limites. Não há como cortar quase 20% do PIB em gastos públicos do nada  no curto ou médio prazo, sem um plano de reequilíbrio acompanhado pela comunidade internacional.

Não existe, dentro desse contexto, "plano de austeridade fiscal" - eufemismo para cortes de programas sociais para o pagamento de dívidas - que seja social ou politicamente sustentável na Grécia. A moratória da dívida é a única saída possível para os gregos, mas não só: por mais que seja altíssimo o ônus de arcar com a saída da Zona do Euro, é nesse sentido que as autoridades gregas deveriam, ao menos, discursar para criarem uma pressão sobre o motor franco-germânico; é preciso que ele também arque com os prejuízos do bloco, depois de tanto tempo apenas ganhando com ele. Tivessem uma moeda própria, os gregos não apenas não teriam entrado em uma situação tão greve como também teriam como, da desvalorização monetária, conseguir fazer ajustes nas contas de uma forma um tanto menos pesada - basta lembrar do Brasil dos anos 90 que, depois da rotunda trapalhada da paridade com o Dólar, pôde desvalorizar sua moeda e, assim, garantir um ajuste sustentável nas suas contas. Claro que isso tornaria a Grécia a pequena pedra que, uma vez movida, derrubaria todo o monte, gerando um soterramento; isso teria consequências que iriam para muito além do econômico e do diplomático, mas é a saída.

A postura autista da chancelar alemã Angela Merkel e do presidente francês Nicolas Sarkozy denota, na verdade, desespero: esperam eles que os contribuintes dos países periféricos arquem sozinhos com o custo (como se pudessem!) da crise atual para fazerem seus países atravessarem a tempestade sem se molhar, mas esquecem que se isso der errado, e o arrocho derreter aquelas economias, tratar-se-á não mais de um efeito dominó financeiro como também político e social, cujas consequências são assombrosas. Logicamente, é preciso rediscutir o pacto monetário europeu, o que tem implicações profundas. Seriam capazes as atuais lideranças europeias, sobretudo dos grandes países, assumirem realmente os encargos da manutenção do sistema de "solidariedade continental", peça-chave que tem garantido a paz desde o final da Segunda Guerra? Claro que esse é um questionamento cínico da minha parte, essa problemática não está, nem pode ser, posta pelas atuais forças políticas dominantes no Velho Mundo: a organização da UE nesses moldes não é fruto do mero acaso do destino, mas das necessidades [de universalização] do grande capital local. A questão atual é saber se o movimento multitudinária que está a invadir as praças públicas, como visto na Espanha mês passado, ganhará força e esvaziará, por falta de público, a farsa encenada nos parlamentos europeus ou se, uma vez mais, a máquina tirânica catalisará a xenofobia continental e assim irá sobreviver.


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