sábado, 4 de junho de 2011

Ainda Palocci

Lula e os Senadores Petistas -- Valter Campanato/ABr

Desde que surgiram as denúncias contra o atual ministro-chefe da Casa Civil, uma série de movimentos pesadíssimos se seguiram: primeiro, o PMDB tentou capitalizar nisso sua insatisfação e sua sanha por cargos - e ao partido de Temer, a ideia de um chefe fraco da Casa Civil soa como música -, depois, os ruralistas souberam se usar disso para neutralizar a força do Planalto contra o Código Florestal. Em suma, um caos. Exatamente como calculado por quem produziu a faísca que deu nesse incêndio. Dilma ficaria sem escolha e demitiria Palocci, pois a razoável tranquilidade de sua relação com o Congresso Nacional eleito em 2010 toparia nos limites já presentes em sua composição - como pontuamos nesta Casa em Novembro.

Algo novo acontece quando Lula reaparece em Brasília, faz reuniões com senadores, deputados, - companheiros e/ou aliados - e tenta segurar a todo custo Palocci. É fato que Lula, apesar de ser um mestre das ambiguidades, não pensa como Palocci, mas eles nutrem uma relação íntima, tanto que foi o ex-Presidente que fez questão de vê-lo na Casa Civil. E Dilma, naturalmente, acatou. Palocci representou uma correia de ligação do PT com o mercado que Lula precisava para se financiar em 2002 e governar dali em diante, mas também é fato que  Palocci se tornou um problema para o então Presidente porque sua política econômica não conseguia resolver o problema da estagnação dos anos FHC e, atentem para isso, as ambições do então Ministro da Fazenda punham em polvorosa a base e mesmo parte da alta burocracia petista, pois sua ascensão representaria uma guinada ideológica para o Partido, de cima para baixo, de fora para dentro e, sobretudo, da centro-esquerda para, no mínimo, o centro.

Palocci caiu e o Governo Lula deu certo com Mantega. Mas Palocci volta e continua sua função na Câmara, é o agenciador da política econômica do Governo na Casa e, também, segue como a grande ponte entre o Mercado - a bem da verdade, entre o oligopólio capitalista e o Partido dos Trabalhadores. Dentro de um plano de sucessão decidido pelo PT de São Bernardo, alimentado pela brutal popularidade de Lula, Dilma é a candidata e a campanha seguirá um tom menos mais manso do que o próprio governo petista: cola-se a imagem de Lula nela e se vence no Primeiro Turno. Ledo engano. As disputas por posições entre os grão-petistas fazem a campanha de Dilma baixar a guarda e Serra, jogando baixo, leva as eleições para o Segundo Turno. É essa nova fissura do partido que reaparece Palocci e, na falta de consenso em torno de quem faria a função que, na prática, é a de chefiar o Governo, Lula bate o martelo e temos Palocci de novo.

Novo movimento: José Eduardo Dutra, presidente do PT e afastado há tempos, renuncia num episódio misterioso e Rui Falcão, seu vice, depois de meses de interinidade, assume a Presidência após votação indireta como prevê o estatuto do partido. Aí é que surgem as denúncias contra Palocci. Sob a Presidência do mesmo Rui Falcão que detonou Fernando Pimentel, um nome fraternalmente próximo a Dilma, durante a campanha presidencial. Agora a guerra não é mais entre burocracia x base, a contradição histórica do PT, mas sim entre Lulismo e Petismo: À parte relevante da burocracia petista, não interessa ir a reboque da figura pessoal de Lula, não mais. Ao Lulismo, só resta a figura de Lula, o PT de São Bernardo, seus aliados, mas certamente, a única figura capaz de dar - o retirar definitivamente - o sentido histórico deste movimento é Palocci, o que marcaria, por meio e ao mesmo tempo contra o Lulismo, a guinada que ele pretendia impor ao partido há quase dez anos.
Basta ver que Lula foi essencial para a manutenção de Palocci, por ora, no cargo. Na medida em que ganhou fôlego junto ao partido, o Ministro partiu para uma série de entrevistas junto à mídia corporativa - setor com o qual ele mantém interlocução privilegiada -, uma relevante para a Folhauma outra importante entrevista, ontem, para o Jornal NacionalLula, no entanto, não é burro, seu pragmatismo sindical-trabalhista importa em movimentos que se desdobram, necessariamente, em pelo menos duas direções; para ele, Palocci se segurar é vantagem, mas se não der, pelo menos ganha-se tempo para se negociar um nome que funcione melhor. Para Dilma, fica o peso de uma situação que, na prática, é o cálculo político entre o custo de parecer ter sido dobrada e o de manter um nome desgastado em uma função tão importante. 


Basicamente, o que fez de errado Palocci? Bem, ele ficou rico rapidamente, mas é provável, muito provável, que não tenha rompido nenhum limite jurídico. Como não romperam grão-tucanos como Armínio Fraga ou Pérsio Arida, que ficaram ricos com consultorias após saírem do Governo. Ex-membros do alto escalão de governos importantes, de pronto, têm um passe alto no Mercado, uma vez que abram consultorias porque parte-se do premissa que eles têm uma importante vantagem competitiva: saber como a máquina funciona por dentro.

Nos EUA, parlamentares derrotados rapidamente arrumam empregos como lobistas - o que lá é legal, mas se afigura como um problema central da política americana de hoje -; mesmo na velha Europa, isso acontece, como o caso do ex-premiê alemão, Gerhard Schroeder, que se tornou consultor da gigante russa do gás natural Gazprom. De fato, isso se trata do problema político emergencial da democracia representativa contemporânea: como, ao contrário de domar ou mesmo neutralizar o Capitalismo, ela termina na sua barriga, jantada. É fato que poderíamos pensar, cá em terras tupiniquins, em vedações jurídicas para que ex-membros do alto escalão não possam mais exercer atividades como essas - o que não existe ainda, frise-se -, haja vista que não é o fato de deixarem o cargo que apaga o conhecimento que eles tinham sobre detalhes estratégicos do funcionamento do Estado, o que, nas mãos de particulares, pode produzir efeitos gravíssimos contra a coletividade.

Em suma, o problema de Palocci provavelmente não é jurídico e mesmo que fosse, isso seria só um detalhe numa conversa muito mais complexa como essa, que passa pelo risco de inviabilização deste modelo de democracia que usamos - uma vã tentativa para a conquista da emancipação humana -, que quedaria neutralizado de vez pelo sistema econômico vigente e, mais até do que isso, representa os riscos iminentes que o projeto de esquerda corre no país.  Ainda que o alto comando petista esteja longe de apresentar uma solução para a problemática que eu expus acima, ao menos, o episódio representa um ganho expressivo. Seja como for, é preciso grandeza e Palocci fora é a melhor coisa que poderia acontecer agora.



3 comentários:

  1. Reflexões de frigideira: enquanto Palocci não cai

    Parte da blogosfera “progressista” continua avalizando material divulgado por veículos informativos que perderam credibilidade nos últimos anos. A atitude não é lamentável apenas pela incoerência de corroborar a mídia golpista que todos combatiam num passado recente. A reciclagem acrítica dos ataques a Antônio Palocci ignora as perguntas que deveriam ser respondidas antes de qualquer posicionamento (no mínimo, acerca de indícios de ilegalidade que justifiquem tamanha celeuma).

    Dizem que o caso envolve o uso de informações privilegiadas em benefício particular. Só que a espinhosa discussão ética ultrapassa os limites do enriquecimento do ministro. Se alguém quer realmente discutir a atuação de lobistas e antigos funcionários públicos, este não é o primeiro nem o mais grave exemplo a investigar, mesmo na esquerda, inclusive no PT. E aposto que a maioria sequer declara seus rendimentos à Receita.

    Faz sentido, sim, questionar a indignação seletiva de quem deixa Palocci virar croquete. Como repudiamos a hipocrisia daqueles que tentaram fazer do “mensalão” uma prática inédita e restrita à base de apoio do governo Lula, devemos rechaçar suas tentativas de transformar Palocci num bode expiatório da enorme fauna de intermediários que transita há décadas em todos os centros de poder. Da mesma forma, cabe indagar sobre a metamorfose dos analistas que antes partiam desse raciocínio para defender o governo Lula e agora embarcam na escandalolatria de mão única.

    Acho meio jeca essa mania de querer que detentores de cargos públicos (parlamentares, por exemplo) sejam mal-remunerados ou depois abdiquem de atividades rentáveis permitidas por lei. Sempre que necessita de vilões, o noticiário explora a desinformação da platéia acerca dos valores negociados nas altas esferas da iniciativa privada, especialmente no mercado meio exotérico das consultorias, cujas fortunas são até maiores do que as recebidas por Palocci. E alguém acredita que os históricos defensores do liberalismo financeiro querem limitar os rendimentos ou fiscalizar as atividades dos seus valiosos engravatados?

    Prefiro parecer um ingênuo defensor de Palocci ao risco ainda pior de ajudar a torrá-lo para satisfazer interesses nebulosos. E gostaria sinceramente que afastá-lo fosse levar a alguma evolução institucional ou mesmo política. Não sei se ele é inocente. Mas tenho certeza de que os seus adversários não estão de fato preocupados com isso.

    http://www.guilherme.scalzilli.nom.br/

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  2. Curioso, escrevi essencialmente o mesmo hoje em meu blog (claro que longe da mesma habilidade e propriedade), antes de ter lido este post.

    É como eu disse lá: não importa mais se ele será ou não inocentado. Sua presença lá não é boa. Não ajuda, e atrapalha. Sua confiança jamais será resgatada. Porque, independente da legalidade de seus atos, não pega bem seu enriquecimento rápido. Não num país como o nosso.

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  3. Guilherme: acho que uma coisa é a questão da inocência dele frente ao Judiciário, o que me parece que ainda não foi abalada de forma decisiva nesse caso e outro a questão política: "os históricos defensores do liberalismo", aliás, defendem Palocci no geral.

    Ândi: Perfeito, é isso.

    abraços

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