quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sobre Capitalismo e Humanismo

Agora há pouco, por meio dos itens compartilhados pelo Allan Patrick no Google Reader, li um post trágico e, ao mesmo tempo, terrivelmente ilustrativo do Eduardo Guimarães: O Capitalismo Ainda Vai te Pegar. Tratava-se da narração do martírio pelo qual ele passa devido à grave doença de uma de suas filhas, agravado pelo fato da seguradora estar se negando a autorizar de um procedimento médico necessário por motivos burocráticos. Isso ilustra bem o que é o Capitalismo. Claro, o enredo dessa história é um disco riscado na nossa sociedade, mas não só dela. Em maior ou menor grau, o mesmo ocorre em qualquer país capitalista. 


Para além das considerações tecidas pelo Eduardo, não, eu não acredito que um sistema perfeito venha a ser concretizado algum dia. Não por alguma implicância com qualquer projeto em si, mas pelo simples fato que a perfeição é irrealizável historicamente. Buscar isso, no máximo, vai lhe tornar um esquizofrênico ou um desiludido ranheta. O ponto é que isso, em si, também não justifica o conservadorismo, o conformismo ou seu decorrente egocentrismo - que nada mais são do que o outro lado necessário de qualquer forma de idealismo. A meta que eu miro, portanto, é a busca pela construção de um sistema mais efetivo para a garantia da vida humana e a posterior conquista da felicidade geral. 


O Capitalismo - que mesmo em crise ainda paira hegemônico - sob aspecto algum foi, é ou poderá ser esse sistema. O motivo é igualmente simples: A essência  do Capitalismo aponta claramente que o seu fim não é a garantia da vida, mas sim a marcha incessante visando sua própria expansão, isto é, falamos de um cão que corre atrás do próprio rabo, além de girar em círculos, corre o risco de se auto-mutilar caso atinja seu objetivo - e esse peculiar processo se dá por meio de uma radical exploração do trabalho realizado no interior de cada unidade de produção, da própria base econômica que permite aprioristicamente o surgimento de cada meio de produção seu e, sobretudo, da base social e ambiental da qual ele depende.


Há quem aceite isso e por uma espécie de hedonismo doentio ainda o defenda. Há quem o saiba e busque argumentos cândidos para racionalizar esse processo - para os outros e, sobretudo, para si mesmo. Há quem acredite que se possa, permanentemente, se usar da inigualável capacidade de produzir do Capitalismo para desviar parte dos seus recursos para "o bem comum" - como se fosse possível civilizar de forma permanente o referido sistema. Eu discordo. As crises e as idas e vindas da vida política apontam que nenhuma construção civilizatória no capitalismo, que vise seu adestramento, possa ser tão sólida que não desmanche facilmente no ar. Sempre descobrimos que pode ser pior quando caímos doentes ou vemos entes queridos numa situação dessas e não resta a quem recorrer, pois simplesmente eles, no fim das contas, são reduzidos a um número em alguma planilha esquálida.


Serviços essenciais no Capitalismo são prestados de forma mercantil pelo empresas privadas ou formalmente pelo Estado. No primeiro caso, eles são meros componentes do sistema, submetido à sua peculiar lógica, no segundo, surgem de algum abalo na ordem vigente, que se vê forçada a ceder certos pontos - diante de pressão nem sempre pequena - que se tornam válvulas de escape - o problema, é que esse movimento não é irreversível, o Capitalismo necessita da maior quantidade de energia possível para sua expansão, não podendo prescindir de nada a menos que seja dada uma utilidade a certa espécie de serviço, o que pode ser mantido de certa forma com sua mercantilização.


O fracasso de "socialismo real" não pode ser apontado como argumento contrário a essa crítica. Aqueles regimes, eivados de deformações positivistas, o que se manifestava desde a forma de produção autoritária - embora pró-sistêmica - e a organização política aristocrática. Nada disso foi fruto de necessidade, mas de decisões racionais de algumas figuras-chave. Dizer que não havia escolha para Lenin ou Mao é uma inteira mentira. O primeiro construiu um modelo equivocado e o colocou em prática, certamente baseado em uma ideia reduzida de homem e uma visão estreita de Economia. Ainda assim, mesmo aquele enorme equívoco conseguia com menos dinheiro proteger mais a vida humana. Cuba pode um PIB per capta menor do que a metade do PIB per capta brasileiro, mas lá se vive seis anos a mais do que aqui. Trata-se do fim certo concretizado da forma errada. 


A luta contra o Capitalismo, essa formidável máquina de fagocitose e de produzir loucura, não é simples. Exige senso tático e estratégico - sem jamais confundir um com o outro, nem transformar certos meios em fins cômodos como fez a social-democracia europeia do pós-Guerra. Também não podemos achar que caiando o leviatã de vermelho, acharemos a solução. A luta é dura, mas sem ela, não sairemos do lugar e a degradação ambiental, por si só, ameaçará a vida humana sobre a terra de forma irrecuperável.

2 comentários:

  1. Luiz Serra Azul Junior30 de julho de 2010 às 17:30

    A recente crise do Capitalismo, desnuda com riqueza de detalhes as fragilidades e incongruências do neoliberalismo, teoria econômica engendrada pelos Estados Unidos e Inglaterra, no final do século XX, tendo como cerne do seu ideário político e econômico, a desestatização, aperto fiscal, controle da inflação, câmbio flutuante e superávits em comércio exterior, como receita para evitar crises sistêmicas. Por ironia da história, enquanto as crises atingiam os países periféricos, a teoria do neoliberalismo cumpriu o seu desiderato tranquilamente, não importando com os efeitos colaterais decorrentes da sua aplicabilidade, tais como: recessão, desemprego em massa, e, por conseguinte, ampliação da miséria social. Na atual conjuntura, que a crise atinge os países centrais, o neoliberalismo terá o seu grande teste, quem sabe, o último da sua curta existência. No site da Carta Maior, encontramos um artigo instigante de autoria de Michael R. KratkeS, professor de Economia Política e Diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido, trazendo esclarecimentos a respeito do sistema capitalista, bem como das suas convicções de que a BP, por se tratar de uma empresa petrolífera que se refinancia com derivados creditícios e fundos de pensões que agora, sofrem perdas irreparáveis, é uma bomba de relógio no sistema financeiro mundial. Será o apocalipse?

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  2. Serra Azul,

    Creio que se trata mais do que um problema de alguma vertente do Liberalismo - afinal, a isso que se chama de "neoliberalismo", apenas existe uma produção teórica, cujos próprios produtores não aceitam o título de "neoliberal". Na prática, tirando algumas exceções de países minúsculos, esse arcabouço de ideias jamais fez outra coisa senão apenas influenciar alguns governos. Creio que hoje, a tensão estabelecida na maior parte dos países do mundo - possuidores de alguma quantidade de instituições formalmente democráticas - se dá entre um social-liberalismo e uma social-democracia - muito mais uma oposição entre um universalismo com seus pés em Kant ou em alguma maneira de idealismo com certos componentes hegelianos macaqueados com uma influência da vulgaridade positivista. É a oposição, no plano político, de um pensamento onde o debate é reduzido a uma formalidade universalista - que explicariam tudo - e do outro de uma marcha incessante rumo a um progresso - embora ainda haja lugares onde exista uma direita ainda influenciada por decorrências do positivismo, como na França, por exemplo. Em suma, a ideia da naturalidade versus a ideia da marcha. Ainda que a segunda seja menos simpática ao Capitalismo, ela só interfere esteticamente em seu funcionamento - e o mesmo pode-se dizer da primeira, quando naturaliza tal sistema econômico. O ponto-chave da questão é o processo de expansão incessante e paranóico do Capital que extravasou as fronteiras nacionais, transformando os Estado-nação, antigos simulacros necessários para lhe garantir a vida, em seus instrumentos. A superprodução mundial que se manifesta pela esterilidade de boa parte do produto econômico diante das necessidades sociais, ambientais e agora econômicas da humanidade se constituem como a sombra do temor mais pungente desse sistema de produção: A impossibilidade de reprodução - que é o seu meio e o seu fim respectivamente. Pode ser que estejamos próximos do apocalipse do Capitalismo, mas se não for projetada uma saída - e seja do ponto de vista filosófico ou político nada foi produzido -, será o da humanidade também.

    abraços

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