quarta-feira, 26 de maio de 2010

Questão Iraniana: O Jogo Segue


(Revolução Iraniana- O retorno de Khomeini)

As peças estão no tabuleiro e o jogo segue na questão do programa nuclear iraniano. Segunda, o Irã apresentou o acordo de troca de combustível nuclear à Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA), cumprindo, portanto a primeira das obrigações assumidas com Brasil e Turquia. Trocando em miúdos, o Irã, cujo programa nuclear foi iniciado ainda na época do Xá - muito embora ele tenha sido alavancado nos últimos anos -, se compromete a enviar o urânio não enriquecido para a Turquia, recebendo em troca Urânio enriquecido a 20% do seu vizinho otomano - mais do que o suficiente para o uso pacífico, ainda insuficiente para fins militares, além de outras implicações.

O ponto central é que, como já colocado aqui, o Irã é uma potência energética. Portanto, em tese, ele não precisaria desenvolver tecnologia nuclear para suprir sua demanda por energia - que, ainda por cima, é razoavelmente baixa -, fato que suscitou sérias dúvidas na comunidade internacional. Evidentemente, dominar tal tecnologia é estratégico e pode tornar o país que o fizer em uma potência, seja pelas implicações pacíficas ou militares que decorre disso. As alegações do regime local sobre o assunto, sempre sinalizaram para que tal desenvolvimento seria voltado para fins pacíficos, o que nunca realmente ficou claro, ainda que a possibilidade de emprego militar da tecnologia nuclear sempre permaneceu como uma conjectura - uma boa conjectura, mas ainda uma conjectura.


A Revolução Islâmica de 1979 foi um momento de ruptura radical com os privilégios que o ocidente gozava naquele país, onde um movimento nacionalista, de inspiração fortemente religiosa, assumiu o poder depois do colapso de um regime autoritário com laços estreitos com as potências ocidentais. O ponto-chave é que, apesar dos americanos, historicamente, não serem o alvo preferido do furor nacionalista local - posto ocupado com certa folga pelos britânicos -, a invasão da embaixada americana, um evento particularmente doloroso no modo que seu deu - foram feitos reféns e o sequstrou durou 444 dias - faz com que a recíproca não seja verdadeira, em especial dos tecnocratas do Departamento de Estado em relação à Teerã.


Esse evento pôs a perder, de forma irrevogável, não apenas o Governo Carter, suas boas intenções e seus diplomatas liberais -, como também provocou mudanças profundas na forma dos EUA se relacionarem com o Oriente Médio, passando, desde então, a intervir mais diretamente, algo que ganhou um estímulo considerável com o aumento da demanda por petróleo, provocado pela manutenção de padrões de consumo insustentáveis da potência americana. Isso fez, por exemplo, com que o Governo Americano, descaradamente, apoiasse o regime totalitário de Saddam Hussein, dando-lhe apoio político e armas para que invadisse o vizinho, resultando numa guerra que ceifou mais de um milhão de vidas humanas ao longo de oito anos - ainda que Saddam tenha tido o claro apoio de outras nações, inclusive da União Soviética.


Também pesa o interesse estratégico de Israel. Àquele país, pouco interessa a existência de um Estado islâmico forte no Oriente Médio - seja num aspecto defensivo ou mesmo ofensivo, pois até as pedrinhas daquela região sabem que para o Estado de Israel, a melhor defesa sempre foi o ataque, seja nos momentos em que isso foi ou não necessário. O País sempre teve interesse não apenas em se manter, a despeito da vantajosa decisão da ONU que lhe criou e ainda dividiu de modo mais favorável para ele as terras da Palestina, como também em se expandir, como se percebe pela maneira como as vitórias nas seguidas guerras que se travaram naquela região provam.


É evidente que pesam inúmeras outras questões sobre esse assunto, que eu pretendo explanar melhor mais adiante - a necessidade de sobrevivência dos judeus, a validade ou não da via sionista, as ameças e ataques que ele já sofreram etc -, mas o ponto que é Israel nunca deixou de ser uma nação beligerante e nos momentos em que não esteve travando combates pelo seu interesse, esteve defendendo claramente os interesses americanos na região - e no mundo, como recentemente provado pelo diário britânico The Guardian, Israel além de ser a maior potência militar da região, ainda possui armas nucleares e sua participação na Guerra Fria do lado dos americanos foi tão intensa que ele quase vendeu armas nucleares para o regime do Apartheid.


Não há qualquer "equilíbrio de forças" no Oriente Médio e não interessa nem para os americanos, ciosos pelo controle das poderosas reservas energéticas da região, nem para Israel, que algum novo agente se fortaleça. Interessa muito menos que esse agente seja o Irã, justamente, o maior país da região. Por outro lado, para as demais potências, se não interessa para ninguém que o Irã construa armas nucleares - ou tenha a possibilidade de -, também é de valia que o país esteja suficientemente fraco para que seja invadido pelos EUA ou por Israel ou que uma nova guerra seja deflagrada na região.


O problema, claro, é a legitimidade na interlocução, os russos tentaram, mas a política do Kremlin peca no movimento pendular, variando entre a paranóia de ver a disseminação de armamento nuclear no seu quintal e o de assistir uma nova invasão americana na região. Os chineses, que, por ora, fazem o mesmo e não querem bater de frente com o interesse americano. Eis aí que entrou o Brasil, um agente economicamente poderoso, militarmente inofensivo e com um complexo de relações ao redor do mundo ao mesmo tempo ampla e profunda - fortalecido durante o atual Governo. Entra também a Turquia, um gigantesco país islâmico com um economia relevante e forças armadas modernas.


Ademais, existe outro aspecto do programa nuclear iraniano muito pouco explorado: Ele é o elemento de união de um país politicamente fraturado, no qual boa parte dos habitantes se ressente da falta de liberdades individuais imposta pelo regime dos aiatolás, mas, ao mesmo tempo, ainda expõe a ferida causada por anos de ingerência das potências ocidentais - e o trauma da guerra contra o Iraque - em seu território, portanto, é consensual na sociedade iraniana que o Governo não deve interromper seu programa nuclear.


A crise provocada pelas tensões internas e externas, deixam o Governo de Teerã num verdadeiro impasse. No momento, aceitar a proposta otomano-brasileira é conveniente porque ao mesmo tempo em que enfraquece Washington, que fez uma proposta parecida, refutada de imediato, dá força a turcos e brasileiros, ex-títeres da política externa americana, legitimando-os como interlocutores de alto-nível - especialmente o Brasil, uma das peças-chave nos planos de reforma do sistema mundo que visam a construção de uma ordem multipolar. O discurso brasileiro pela paz é poderosíssimo, pois ele apela ao pathos de uma humanidade desejosa de tranquilidade e pega o discurso belicoso no contra-pé na medida em que ele usa a prerrogativa da luta pela paz como elemento legitimador - como percebemos claramente no discurso americano, onde a guerra é vendida sempre como um mal necessário para a conquista da paz. Em suma, além de Lula ser legitimado pelos seus admiradores europeus, seja por princípios ou interesses imediatos, por outro, ele se torna um interlocutor difícil de deslegitimar, afinal, como e por qual motivo alguém iria bater em um arauto da paz?


O ponto é que tanto os aiatolás quanto os americanos estão em xeque. Se os primeiros terão de dar provas de confiança para a comunidade internacional, sob pena de ficarem definitivamente isolados e caírem, os segundos perderam o álibi tão cômodo para os interesses que sequestraram o seu Departamento de Estado, fazendo com que a mandatária daquele órgão, que disputou prévias tão acirradas com o atual Presidente daquele país a ponto de mais parecerem rivais de partidos opostos, mostre sua verdadeira face e exponha a política externa contraditória e renitente do seu suposto chefe, o atual Nobel da Paz, Barack Obama.

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