sábado, 2 de janeiro de 2010

Garis, Ano Novo e a Anistia Novamente

 (Foto retirada daqui)

O ano começa agitado mesmo. Mas o que poderíamos esperar de um ano em que, vejam só,  "que merda...dois lixeiros desejando felicidade do alto da suas vassouras...dois lixeiros... o  mais baixo da escala do Trabalho"  tiveram a audácia de nos desejar um feliz ano novo. As declaração entre as aspas é de autoria de Boris Casoy, âncora do noticiário noturno da  TV Bandeirantes

Casoy, histórico jornalista de extrema-direita (leia o nono parágrafo do link), suposto ex-membro do CCC e homem que pública e notoriamente classifica o generalíssimo Geisel como "estadista", foi pego, em plena noite da virada, fazendo o comentário acima graças a um vazamento de áudio no Jornal da Band. Se duvida de mim, clique aqui para ouvir o vídeo no Youtube.

Houve quem ficasse surpreso e falasse até em "a verdadeira face de Boris Casoy". Eu, cá do meu cantinho, só diria algo parecido se Casoy tivesse sido apanhado fazendo uma declaração exatamente inversa a essa. A repercussão do caso o obrigou a uma retratação que se materializou em um breve e insípido pedido de desculpas ao vivo, na edição de ontem do Jornal da Band. De repente, isso se tornou um mera fala "infeliz". Ótimo.

O rompante extremista de Casoy ilustra o que pensa uma ala da nossa sociedade que apoiou o Golpe, a Ditadura e sempre teve uma posição francamente anticomunista por motivos bem distantes da luta por liberdade como alegam, no fim das contas, trata-se de uma mistura do velho liberalismo da Escola Austríaca com toques de positivismo tupiniquim, onde cada um deve saber o seu lugar e funcionar como uma engrenagem numa máquina total - dentro da respectiva hierarquia.

Coincidentemente, isso acontece ao mesmo tempo em que irrompeu o factóide número 6759 da mídia corporativa em relação ao Governo Lula. Sai de cena a ficha falsa de Dilma, o pseudo-escândalo Lina e vem à baila uma suposta crise militar - uma celeuma que giraria em torno da insatisfação dos comandantes militares em relação ao novo Programa Nacional de Direitos Humanos e de sua ameaça de renúncia coletiva. 

No fim das contas, tudo girou em torno de uma ofensiva coordenada sincronicamente em todos os jornalões, divulgando informações falsas - que o PNDH pretendia "revogar" a Lei de Anistia - e espalhando aos quatro cantos a posição do sempre curioso Ministro Jobim em solidariedade aos militares. A ofensiva midiática expõe ao mesmo tempo uma movimentação partidária eleitoreira anti-Governo e o joguinho de alguns militares insuflando um crise porque não aceitam o fim da ditadura. Daí, com a ajuda dos auto-falantes da mídia corporativa, uma crise é brotada.

No fim das contas, o PNDH sequer - e infelizmente - ameaça a Lei de Anistia. Ela pretende, na verdade, instituir a Comissão de Verdade e Justiça que trará à baila o que realmente aconteceu na Ditadura, dando às mães que perderam filhos nesse período tétrico da nossa história, o direito de saberem como eles morreram, talvez onde estejam os restos mortais e quem matou e quem torturou. É pouco, mas é um mínimo que não pode ser negado.

A Lei de Anistia é, no fim das contas, uma remendo normativo elaborado em pleno - e pelo - Estado de Exceção que apontava para o esquecimento - anistia vem do mesmo radical de amnésia, mas perdeu "m" entre tantas reformas ortográficas - de crimes que ele mesmo cometeu, mas que, curiosamente, jamais assumiu ter cometido e também para o esquecimento dos crimes que a esquerda armada teria cometido, pelas quais já tinha sido punida sem o devido processo legal e ainda tinha sofrido um tratamento desumano no cárcere.

Trata-se, sem dúvida, de uma excrescência contra a qual a extrema-direita luta usando a lógica da chaleira descrita por Freud; ela se perdoa por crimes que não admite ter cometido, depois alega que aquilo que foi cometido tratou-se de uma mera reação ao comunismo internacional e que isso tudo justificaria. 

Na Heláde, os antigos já entendiam o significado de recolher os seus que tombaram no campo de batalha e poder dar-lhes a devida - e justa - cerimônia fúnebre. É por conta desse direito inalienável que Antígona morreu reivindicando. Na célebre peça de Sofócles. É esse comezinho que está sendo negado aqui.

No fim das contas, o repúdio ao desejo sincero dos garis por um bom ano e a negação de um direito básico às famílias dos desaparecidos na Ditadura convergem; os dois fatos apontam como uma seta para algo bem claro: Como o modelo positivista, adotado vertical e centralizadamente pela nossa elite nos fins do século 19º - para mudar tudo sem mudar nada - fracassou e fracassa na missão de construir um país minimamente digno e encrenca em suas contradições intrínsecas. 

E, de fato, em um país onde ainda há tanto entulho propositalmente não varrido, a figura do gari talvez pareça demasiadamente assustadora por uma perspectiva, digamos, simbólica. A questão é a esquerda ter a mesma coragem que sobra a esses nobres brasileiros - e falta a pandêgos âncoras de pseudo-noticiários - para enfrentar essa questão realmente de frente.

4 comentários:

  1. Hugo,

    Não faz muito tempo eu sempre lia alguma coisa sobre as qualidades morais de Boris Casoy, sua coragem em comentar a notícia e sua firme posição contra politicagens, corrupção e politicas de segurança pública. Esses eleogios aumentaram depois que ele saiu da Record, supostamente porque não aceitou ser censurado pelos pastores da Igreja Universal. Como nunca assistir um telejornal apresentado por ele sempre ficava com a sensação de estar perdendo alguma coisa.

    De uns tempos pra cá, especialmente depois de ler seu post, vejo que não perdi nada e a julgar pelos índices de audiência dos Telejornais da Band, pouca gente ainda perde tempo ouvindo Boris e suas bobagens.

    Quanto aos jornalões, seu tempo é gasto em tentativas de criar crises institucionais, plantar ventos para que o Planalto colha as tempestades. Para infelicidade deles o clima não parece estar muito propício pra este tipo de cultivo.

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  2. Edu,

    Boris Casoy sempre foi adorado pela mídia corporativa porque ele sempre conseguiu ser, convictamente, mais reacionário do que os seus patrões - no discurso e na prática - e ainda arranjou um modo - bem teatral, diga-se - de externar isso para o povão por meio da tela que lhe garantiram, durante algum tempo, certa celebridade.

    Esse episódio de Casoy na Record, que você bem nos lembrou, foi um divisor de águas na carreira dele: Não é segredo que a posição anti-esquerdista visceral dele o levou a um claro oposicionismo a Lula, mas isso entrou em rota de colisão com os pastores da Universal que, apesar de um certo rompimento com Lula nos anos 90, sempre tiveram uma certa aproximação com o atual mandatário - pela própria (e enfática) defesa do atual presidente em relação à liberdade de culto, o que sempre lhes interessou diretamente. Casoy resolveu peitar seus patrões, apostou alto e perdeu: acabou demitido.

    Depois dessa demissão, ele acabou na geladeira televisiva. Mesmo que o comentário habitual dos conservadores da comunicação seja de que ele saiu da Record porque peitou patrões dispostos a fazer politicagem - quando, na verdade, ocorreu o contrário -, não se toleram quebras de hierarquia ou coisas do tipo. Por isso, só recentemente ele reapareceu nas telas. Sua posição, no entanto, já restava bastante enfraquecida, depois dessa então, sempre pesará a pecha de elitista em cima de suas críticas contra Lula, o que tende a afastar as poucas pessoas que ainda acreditavam no que ele diz.

    abraços

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  3. Hugo,

    O Boris Casoy disse o não dizível publicamente, revelou escancaradamente o ódio de classe que existe desde os tempos coloniais no Brasil. Para ele, gari não tem sequer o direito de desejar feliz ano novo na telinha, afinal, pobre é um gênero sub-humano que não merece representação na mídia.

    O âncora é igualzinho ao Figueiredo, que preferia o cheiro do seu cavalo ao cheiro do povo.

    Isso é fruto da falta de significância que se dá, na prática, aos valores republicanos nesse país. Como dizia o velho lobo, o Brasil é uma verdadeira 'coronétocracia' que pariu uma mentalidade feudal em nossas elites, repletas de Casoys e Figueiredos em suas fileiras.

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  4. Pois é, Luis,

    Aliás, é uma enorme coincidência estarmos falando do mesmo cara que tem espasmos faciais condenando Lula, o torneio mecânico que do alto do seu torno - e lá de baixo da escala do trabalho, do chão de fábrica - se tornou Presidente da República - com direito a chilique em rede nacional quando o chefe de Estado disse que iria tirar o povo da merda.

    Num golpe de azar, esse cidadão acabou sendo traído pela boca e destilou aquilo que ele realmente pensa sempre a classe trabalhadora, dando pistas para quem ainda duvidava sobre quais os motivos lhe moviam a fazer oposição com tanta ênfase ao Governo atual - por mais óbvio que isso fosse, afinal, estamos falando de um sujeito que enche a boca para chamar Geisel de "estadista".

    Surgem defesas desesperadas de Casoy por aí afora como o jocoso texto de Fábio Panuzzio - que eu nem me dignarei a linkar aqui - dizendo que o que Casoy resmungou não era nada daquilo que nós estamos imaginando. A ele se somam outros tantos jornalistas que, por convicção ideológica ou mero corporativismo, preferem falar sobre um "linchamento" de Casoy em detrimento do linchamento público dirário dos garis bem como de seu humilhação pública em pleno Ano Novo em rede nacional - e conseguem radicalizar tanto na defesa que acabam ofendendo verdadeiramente a "vítima" ao lhe roubar o direitismo extremista que ele tanto labutou para desenvolver, principalmente em épocas duras como a Ditadura, quando ele (ao contrário de muitos de seus colegas que chegavam a ser suicidados) estava lá trabalhando arduamente no diário oficial da OBAN, também conhecido como Folha da Tarde.

    abraços

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