terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Análise das Eleições Chilenas

 (Foto retirada daqui)

Sebastián Piñera derrotou Eduardo Frei no segundo turno das eleições chilenas e é o novo presidente do país. Será o primeiro presidente direitista eleito naquele país pelo voto popular - em um processo limpo, diga-se - desde que Jorge Alessandri venceu as eleições presidenciais de 1958 - para um mandato que acabou em 64. De lá para cá, fora a ditadura Pinochet, a cadeira presidencial foi ocupada por três democratas-cristãos e três socialistas - portanto, houve uma alternância entre o centro e a esquerda no que toca os dois períodos de normalidade institucional dos últimos 46 anos. O resultado foi bastante apertado: Piñera venceu Frei por 51,8% a 48,1%.

No Chile, diferentemente do Brasil, a direita é bem articulada partidariamente e não precisa se associar a partidos de centro para vencer eleições. Ela mobiliza um eleitorado poderoso e a verdade é que o país é bem mais conservador do que o Brasil - principalmente em questões morais. Piñera é muito diferente de Serra: Enquanto o segundo é um político de centro cuja origem remonta à esquerda e agora, oportuna e eleitoralmente ele se alia  à direita, o primeiro foi um homem do establishment da ditadura Pinochet e é várias vezes mais conservador.

Aliás. o Renovación Nacional (RN), o partido de Piñera, também não é o PSDB. Ele é muito pior. Ele é um quase DEM, um partido criado em 87, logo depois que Pinochet permitiu a reorganização dos partidos e o país se preparava para o plebiscito que iria decidir pela permanência da ditadura, conseguido a duras penas - tanto por uma pressão interna silenciosa quanto pela pressão internacional. Mesmo estando um tantinho à esquerda da Unión Democrática Independente (UDI, a maior agremiação individual do país) o RN apoiou em sua maior parte a manutenção da ditadura. Se o antigo PFL no Brasil pelo menos nasce de uma ruptura na base de apoio da ditadura local, numa adesão de última hora à democracia formal, no Chile, o RN, nem isso é. No máximo, é um quase DEM.

Também é particularmente engraçado como Eduardo Frei-Tagle é qualificado como esquerdista. Nada disso. Frei é um centrista, fosse brasileiro e estaria certamente no PSDB. Aliás, quando falamos no Consertación, a famosa coalização que une partidos de esquerda e centro-esquerda do pais, falamos de um balaio de gato que só teria paralelo no Brasil se o PT e o PSDB se unissem numa coalização para derrotar a direita - mais ou menos quando ambos se uniram nos segundos turnos das eleições para o governo de São Paulo em 98 e para a Prefeitura de São Paulo em 00 contra o malufismo.

Talvez, isso só não aconteça no Brasil porque a direita pró-ditadura seja insignificante, o que permite o PSDB manter uma posição cínica de cooptação de votos à direita - e de composição com partidos desse espectro -, por um oportunismo eleitoral que ele pode se dar ao luxo pela conjuntura. Aliás, insisto: O Partido Democrata-Cristão do Chile se assemelha mesmo ao nosso PSDB enquanto o Partido Socialista seria o equivalente ao PT. De tal forma, Serra não mente quando diz que torcia para Frei. Para exemplificar, PT e PSDB têm, juntos, 27,8% dos deputados enquanto PP e DEM têm 19,8%; no Chile, enquanto o PS e a Democracia Cristã têm 25% dos deputados, UDI e RN têm 48%.

Se pegarmos as duas últimas eleições chilenas para presidente, veremos que os candidatos do Consertación venceram por margens pequenas. Os democratas-cristãos Aylwin com e Frei ganharam com, respectivamente, 55% e 58%, enquanto os socialistas Lagos e Bachelet venceram, ambos em segundo turno, com , respectivamente, 51% e 53%. Na hora H, a aliança de centro-esquerda sempre esteve pau a pau com a direita e o voto centrista é quem decidiu. A referida popularidade de Bachelet era pura aprovação pessoal e de governo, o que conta pouco num país no qual o eleitorado é bem mais polarizado e dividido do que no Brasil - e bem menos progressista também.

Bachelet errou em alguns aspectos, mas os democratas-cristãos erraram ainda mais. Por mais que o PDC seja maior do que o PS, suas lideranças deveriam ter a sensibilidade - e a honestidade - de admitir que não tinham quadros para disputar uma eleição majoritária e que nas fileiras socialistas haveria quem fizesse isso melhor - como o próprio Marco Enriquez-Ominami, que se candidatou como independente porque o Consertación iria indicar um democrata-cristão e o mesmo vale para Jorge Arrate. Tanto isso é verdade que ressucitaram a figura de Frei. O erro da atual presidente do Chile foi não ter tensionado e bancado uma candidatura própria do partido.

Dentro da atual conjuntura política chilena, no entanto, Piñera estará duramente limitado. Não poderá governar para si ou apenas para elite chilena. É verdade que é contraditório que tenha vencido, com um discurso fora de moda à luz da conjuntura mundial, mas ele não poderá fazer um governo conservador radical, nem virar as costas totalmente para a integração latino-americana e os projetos sociais do Consertación - que são fundamentais para um país com um abissal desigualdade social como o Chile, a maior ameaça no médio prazo para o avanço do desenvolvimento do país.

Mesmo que a instituição da Presidência da República seja forte no Chile, a conjuntura parlamentar não lhe favorece; a Coalizão pela Mudança a que pertence, fez apenas 58 deputados em 120 - apenas mais um do que o Consertación - e fez apenas 17 senadores em 120 - um a menos do que o Consertación. A Coalizão de Esquerda Chile Limpo fez 6 senadores e e 3 deputados. Os independentes fizeram 4 senadores e 2 deputados. A Nova Maioria - coalização que une ecologistas e humanistas - fez 7 senadores e nenhum deputado. Portanto, o equilíbrio dos últimos anos foi mantido, o que aponta para mais 4 anos de conservadorismo extremo nas questões individuais e uma manutenção do modelo econômico e social - ou pelo menos representa que se Piñera quebrar esse pacto, o Chile ficará ingovernável e ele ficará paralisado.

Duro é saber o quanto Piñera pode conter arroubos do tipo por parte da direita e mesmo o quanto ele quer isso. Mais duro ainda é saber até quando o modelo chileno continuará produzindo efeitos socialmente positivos - afinal, se mesmo com as reformas lentas do Consertación, as coisas pareciam se aproximar de uma contradição logo mais, agora as coisas tendem a ficar mais complicadas.

No que toca ao futuro dos socialistas, é difícil imaginar que eles voltem ao governo caso não refundem seu partido. Isso não está próximo nem será fácil: O PS é refém político dos democratas-cristãos e o resultado das eleições parlamentares onde ele ficou apenas em quinto no geral individual dos partidos e em terceiro dentro de sua coalizão - bem como a crise nas suas bases e no topo - são indicativos claros disso.

Enfim, o caso chileno não tem tantos paralelos quanto imaginamos com o nosso quadro político - ou como nos fazem imaginar alguns cientistas políticos que veem nisso um bom argumento para dizer que Dilma irá perder (ela pode até perder, mas não pelos mesmos motivos). O paralelo que se pode traçar, portanto, não é eleitoral, mas sim puramente político: A esquerda não pode fazer política orientada por cálculos frios de poder, mas sim a partir e de acordo com valores. Seja lá onde for.

2 comentários:

  1. Fala isso por Lula e pros "mensaleiros" do pt.
    O pt tem aliados ,assim como a esquerda chilena.O que são PTB,PSC,PSB,PR,PRTB e PMDB?

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  2. AF STURT,

    São legendas de aluguel - talvez o PSB um pouco menos, ainda com alguns quadros -, muito distantes, no entanto, do que é o Consertación; primeiro que aqui não existe um bloco definido até pela natureza ideologicamente confusa e programaticamente inconsistente desses partidos - o próprio PMDB apóia o Governo apenas em parte; segundo porque lá o PS, além de estar à direita do PT, ainda não é o partido majoritário da coalizão - o PT foi o partido mais votado para a Câmara em 2006, só fez menos deputados do que o PMDB por conta da distorção eleitoral provocado pelo teto e o piso de deputados que cada Estado pode ter, enquanto o PS é apenas o quinto maior partido chileno. Ademais, a própria dinâmica da política chilena é diferente daqui como ressaltado no post - a transição muito mais conservadora, o peso eleitoral ainda muito forte da direita etc.

    abraço

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