terça-feira, 18 de agosto de 2009

Sobre o Fascismo, a Academia e o Brasil

O Fascismo nasce com Mussolini como uma ideologia política cujo fim último era a salvação do Capitalismo a qualquer custo - inclusive o da potencial implosão dos parâmetros mínimos estabelecidos pelos Iluminismo. Essa salvação decorreria da instalação de um Estado Totalitário assentado sobre o paradigma da excelência técnico-administrativa - que supostamente acabaria com as ideologias, mas ela mesmo não só decorre como é a principal marca de uma ideologia. Essa ideologia nasce de uma deformação via exarcebação do idealismo, busca suas fontes na antiguidade e, não por acaso, seu símbolo é o feixe de armas de Roma, símbolo do poder do Estado e da unidade do povo - doravante, adaptada por Mussolini como unidade nacional.

O Nazismo está dentro dessa tradição, mas ele acaba transcendendo certos aspectos trazidos pelo Fascismo; o símbolo Nazista é a cruz suástica, um dos mais antigos símbolos cultuados pelo homem branco - tendo em vista a intenção nazista de justificar a superioridade do povo alemão em virtude de sua suposta "pureza", a cruz suástica é o símbolo de que são os alemães não-judeus e não-ciganos os herdeiros da tradição primitiva da civilização branca; uma alegoria que, obviamente, não encontra nenhum respaldo histórico ou biológico. O Nazismo então se diferencia do Fascismo pelo seu forte componente eugênico e sua posição mais acirradamente anti-iluminista antes mesmo de ser anti-materialista.

Ambos, no entanto, pertencem ao mesmo espectro político, situando-se no que se convenciona por extrema-direita. Esse grande Fascismo - que incorpora o Nazismo assim como Franquismo, o Salazarismo et caterva - é inimigo do liberalismo porque nega alguns de seus principais paradigmas, como os direitos individuais de exercício da atividade econômica e da autonomia dos agentes de mercado em atuarem de maneira difusa seja dentro do Estado oficial ou formando algum Estado paralelo para driblar os pesos e contrapesos - de tal sorte que o Fascismo também os nega, mas o faz de maneira oficial, por meio de um Estado gigante, todo poderoso, um absolutismo laico, tecnocrático e impessoal.

Se mesmo valores burgueses como o individualismo, o judiciário independente e o parlamento - com seus (muitos) defeitos e (poucas) virtudes - são negados, qualquer ideologia que visa superar essas estruturas também é combatida, o que vale para os socialismo em todas as suas facetas - mesmo as autoritárias; a relação do Fascismo com tais ideologias antagônicas é brutal e destrutiva: Os fascistas lutam contra qualquer possibilidade de debate público, eles implodem ou explodem os espaços públicos de debate, seja pelo rebaixamento da linguagem, pela violência física, sempre usando como falácia-muleta a transferência da culpa de seus crimes para as suas vítimas.

Isso se deve ao fato de que as falácias que sustentam essa ideologia não suportam o debate público, portanto, é necessário que no lugar desse debate previamente destruído, seja tomado pela Propaganda - sempre fazendo uso do rebaixamento da linguagem e a regressão intelectual, nunca esclarecendo, mas sim, emocionando a plateia. Assim, se acaba com a possibilidade da Razão e se trabalha com instintos e sensações das pessoas; a chave para entender o Fascismo passa pela compreensão da anestesia intelectual do povo que, alheiado da sua autonomia coletiva e da sua subjetividade, é esmagado por uma máquina técnico-administrativa inimiga da Razão.

É diante disso que estou acometido por uma grande e não injustificada preocupação em relação ao futuro da humanidade e mesmo do nosso Brasil - que paradoxalmente se vê às voltas com grandes avanços sociais ao mesmo tempo em que a sombra cada vez escura e gélida do Fascismo nos ronda. Não são apenas as instituições caquéticas e corruptas do nosso Estado, mas também uma miríade de organizações que estão prestes a capitular diante dessa ameaça: As universidades e mesmo centos acadêmicos, outrora centros de resistência, hoje se veem dominadas pelo cripto-fascismo.

Trazendo para um campo um pouco mais concreto, trago um exemplo do que vejo na minha realidade, estudo na PUC-SP, uma Universidade que, à luz da concepção liberal de Direito, se vê às turras com a própria Constituição, especificamente com o preceito elementar da autonomia universitária, previsto no art. 207 de nossa Lei Maior:

Art. 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

§ 1º - É É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.


A intervenção perene da Igreja Católica é visível e esmagadora - o que envolve desde a demissão de funcionários até o recrusdecimento das relações institucionais com os estudantes, o que gera, inclusive um fenômeno de peleguismo em certas camadas do movimento estudantil, especialmente no Direito - cuja gestão atual do centro acadêmico teve a desfaçatez de convidar o Cardeal Arcebispo de São Paulo para um evento no glorioso TUCA ontem, ou seja, mais do que o representante dessa mesma Igreja, também o homem por detrás do atual enquadramento pelo qual passa essa Universidade - o que, felizmente e por vias tortas, acabou sendo evitado por alguns estudantes e pela parte do ME que ainda ousa remar contra a maré.

O que havia ontem no TUCA trazia todos esses elementos que eu descrevi, havia um espetáculo, não um debate público, algo milimetricamente calculado para alavancar a carreira política de alguns nobres colegas, às custas da anestesiamento intelectual da massa e do feitichismo com a autoridade. Antes no nobre arcebispo chegar, os outros convidados, o Reitor, um nobre Ministro do STF e um professor respeitado da casa, dissertavam sobre as maravilhas da democracia, quando o debate foi aberto para perguntas e surgiu uma particularmente incômoda para a atual Gestão, os ânimos se exaltaram e a palestra acabou por ali - sem que nenhum dos palestrantes fizesse questão de continuar, afinal defender a democracia abstratamente é fácil, mas pratica-la ainda é algo estranho às nossas elites - a polêmica é convenientemente tomada por ofensa e implode-se o espaço. Para o horror de um Dom Odilo que chegou a um TUCA vazio e teve de escutar, o protesto civilizado de um grupo de estudantes contra suas políticas para a PUC e de que sim, somos contra violências contra os filhos de Deus, como por exemplo chamar a Tropa de Choque para bater em estudantes. Ele não explicou nada e partiu sem maiores explicações.

Esse pequeno fato é revelador não apenas no que toca às limitações e contradições do constitucionalismo liberal, mas também ilustra sua incompatibilidade no Brasil, onde a tensão dialética entre um pré-iluminismo próprio da nossa elite por conta de sua formação e os anseios populares acirra os seus problemas intrínsecos desse modelo - o que implica no risco perene de que a tentativa de "organizar" o país pelo crivo de uma solução fascista, o que não é incomum no mundo, mas que por essas terras se encontra particularmente mais próximo. É um cenário perigoso e complexo e é bom não nos enganarmos com os avanços que assistimos.

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