sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre Liberdade e Igualdade

Um dos debates mais recorrentes - e falsos - que vemos ser travado pelos botecos sujos e infovias da vida é aquele que procura estabelecer se a Liberdade é mais importante que a Igualdade e vice-versa ou também com qual deles é possível se viver sem. Tal debate parte das premissas que elas são duas coisas mutuamente excludentes ou excluíveis. Isso é inteiramente falso. Liberdade e Igualdade, ao meu ver, são intrinsecamente complementares, ainda assim, retrocedo e explico as razões com as quais fundamento minha afirmação.

Para começar, indago o que seria a Liberdade. Ao meu pensar, Liberdade é a condição que nos permite exercer o nosso poder mediante a nossa vontade e de acordo com as nossas possibilidades. Portanto, não estamos falando de um conceito absoluto, mas sim de algo que possui gradações - na medida que a nossa vontade e a nossas possibilidades são variáveis. Hipoteticamente, teríamos: "Liberdade total", ou o equivalente a poder fazer qualquer coisa que fosse desejado e estivesse ao nosso alcance e, no outro extremo, a "Liberdade nula", ou seja, não poder fazer nada que estivesse ao nosso alcance e fosse do nosso desejo. Seriam possíveis as duas situações? A primeira seria, mas apenas em momentos específicos e por curtos períodos, dado que nem mesmo um Monarca Absoluto poderia ter "Liberdade Total" o tempo inteiro devido as próprias vicissitudes da Política; sobre a segunda situação, em vida, seria muito difícil chegarmos a experimentá-la, afinal, em último caso, sempre há a possibilidade do suicídio para as situações mais terríveis - talvez ela só fosse possível na situação na situação onde alguém é completamente anestesiado, haveria vida, mas não existiria consciência ou movimento.


Levando em conta aqui que os homens vivem em grupo, seria possível imaginar uma situação onde um homem é livre ao extremo? Sim, mas como já colocado, seria apenas por um curto período. Seria possível um subgrupo pertencente a esse grupo ser totalmente livre? Apenas, por um curto período, porque aí os demais integrantes do grupo estariam sujeitos ao poder, a vontade e as necessidades desse subgrupo, perdendo, por conseguinte, a sua liberdade para eles. Seria possível todos os integrantes do grupo serem totalmente livres? Em hipótese alguma. Isso implicaria num estado de violência permanente entre eles na medida em que todos poderiam fazer o que pudessem e o que quisessem com todos e aí destruição mútua seria inevitável - a esse respeito e fazendo o raciocínio contrário, seria possível todos terem "Liberdade nula"? A resposta é que também não, posto que a única maneira de fazer o homem renegar a condição de liberdade por completo só pode ser externa a ele, pois implicaria na eliminação da nossa vontade, do nosso desejar e, como pode se supor, o fenômeno volitivo decorre quase sempre da nossa necessidade - de sobreviver ou viver com prazer -, o que não poderia ser autonomamente limitável - não, ao menos por ora.


Tornando ao exemplo de um grupo onde há um subgrupo com plena liberdade enquanto o restante não o teria, poderíamos enxergar nisso o exemplo da luta de classes. No entanto, isso implicaria em um erro, nenhum segmento dos mais variados grupos humanos ao longo de tempo e do espaço jamais foi plenamente livre e não foi porque não pôde; a supremacia de um subgrupo, de uma "classe social", não se dá apenas mediante imposições, mas também por concessões - ainda que pequenas - e mesmo assim não eterna como prova a História, portanto, a situação de exercitar a Liberdade de maneira total, se apresenta impossível de maneira perene. Qual o motivo disso acontecer? Para tanto precisamos retomar o conceito anterior, não seria porque a Liberdade de um indivíduo e de um subgrupo implica em menos Liberdade de um outro grupo e de um outro indivíduo. Também não existe possibilidade de eliminar a Liberdade, pode-se, perfeitamente eliminar-se o indivíduo, mas não a Liberdade, porque para tanto seria necessário eliminar seu poder e sua vontade, que estão vinculados a sua necessidade que, por conseguinte, é inerente a sua natureza humana.


A relação da condição Liberdade no interior dos grupos humanos é, sem embargo, um dos temas mais relevantes ao longo da História. Situações como o Nazismo não simples momentos "onde houve falta de Liberdade", mas sim um momento onde um subgrupo (o Partido Nazista) teve uma gradação de Liberdade verdadeiramente alta combinado com um Poder verdadeiramente grande. O oprimido é aquele que tem a sua Liberdade diminuída, portanto, é agente passivo nisso tudo, sendo que sua condição decorre do fato de alguém - ou um subgrupo - ter mais Liberdade do que ele, para seja possível a ocorrência do ato de opressão - a submissão de alguém à vontade e ao poder de outrem.


Eis aí o grande dilema que há séculos aflige a humanidade: Não é possível acabar com a Liberdade, no entanto, não é possível que todos-um subgrupo-um indivíduo sejam plenamente livres. Como equacionar isso? Por meio da Igualdade, ou, a condição que estabelece o nivelamento de algo ou alguém a um referencial possível ou imaginável. Como unir tais ideias? Primeiro, a Liberdade necessita que haja Igualdade como forma de poder existir de maneira perene dentro de um grupo humano; isso daria por meio de um equacionamento que viria como conteúdo valorativo do sistema de discursos diretivos decorrente das deliberações políticas (aquilo que chamamos de Direito). Isso resultaria na chamada Isonomia (condição vive-se sob a mesma Lei). No entanto, bastaria apenas a Igualdade para solucionar o problema da estruturação da Liberdade nos grupos humanos? Eis aí que afirmo que não. Como coloquei, a Liberdade possui duas variáveis em sua composição, poder e vontade - onde o primeiro varia aprioristicamente de acordo com as relações econômicas e aposterioristicamente de acordo com elementos culturais de toda ordem que envolvem o indivíduo-subgrupo-grupo, enquanto o segundo varia conforme a necessidade do indivíduo-subgrupo-grupo. Portanto, a Igualdade por si só não garante a racionalização da Liberdade em meio a um grupo humano, mais que Igualdade é necessário Equitatividade, ou seja, tridimensionalizar a condição de Igualdade de tal sorte que possamos tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Retroagindo, sem a Liberdade também não há como realizar Igualdade, tampouco a equitatividade na medida em que o surgimento e a existência da raça humana é permeado de assimetrias entre os grupos que a compõe e dentro desses próprios grupos.


Dessa maneira com Liberdade, Igualdade e Equitatividade rumamos para a materialização do ideal de proporcionalidade em meio as relações humanas, o que, em outras palavras equivale a tão sonhada Justiça, fim da política e meio para possibilitar a vida em grupo. Não resta dúvida que não há como excluir uma coisa da outra como pretendem alguns.

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